Armando Vara vai recorrer para o Constitucional de pena de prisão por "lavar" dinheiro
Tribunal da Relação de Lisboa confirmou pena de dois anos de cadeia efetiva a que ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos tinha sido condenado, em 2021, pelo Tribunal Criminal de Lisboa. Processo resultou da Operação Marquês.
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A defesa de Armando Vara vai recorrer para o Tribunal Constitucional da pena de dois anos de prisão efetiva a que o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos foi condenado por ter "lavado" dinheiro obtido licitamente, para fugir ao pagamento de imposto.
A pena tinha sido inicialmente aplicada, em julho de 2021, pelo Tribunal Criminal de Lisboa e foi agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. A contestação trava, pelo menos para já, o regresso de Armando Vara, de 67 anos, à cadeia de Évora, onde já cumpriu pena por tráfico de influência, no âmbito do processo "Face Oculta".
"É uma decisão surpreendente e claramente errada na sua fundamentação", reagiu esta quarta-feira, ao JN, o advogado do ex-administrador do banco público, Tiago Rodrigues Bastos. Em causa estão, nomeadamente, os argumentos invocados pelas juízas desembargadoras para não suspender a execução da pena aplicada a Armando Vara.
A lei permite que a execução de penas até cinco anos de prisão seja suspensa, mas Alda Tomé Casimiro e Anabela Simões Cordeiro optaram, à semelhança do que decidira o tribunal de primeira instância, por não o fazer.
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"Durante décadas os chamados 'crimes de colarinho branco' geraram uma sensação de impunidade: os culpados ou não eram pura e simplesmente punidos (dada a dificuldade da prova) ou eram punidos em pena com execução suspensa", sublinham, no acórdão noticiado e citado pela Lusa, as magistradas, rematando que, "neste tipo de crimes, só especiais circunstâncias podem permitir que se conclua pela suspensão da execução da pena". É este entendimento que Tiago Rodrigues Bastos contesta.
"É exatamente o contrário do que a lei diz. A lei não faz nenhuma distinção e entende que, principalmente nas penas de curta duração, só especiais circunstâncias é que devem justificar que haja um cumprimento efetivo da pena. Esta decisão é uma decisão ao contrário de tudo o que é normal", argumenta o causídico.
O advogado vai, por isso, recorrer da decisão para o Tribunal Constitucional, a única instância ainda ao seu dispor. O recurso, acrescentou, suspende o trânsito em julgado da pena e, por isso, da sua execução.
Circuito por paraísos fiscais
De acordo com os factos demonstrados em tribunal, Armando Vara acumulou, entre 2005 e 2008, cerca de 1,6 milhões de euros numa offshore no Panamá. Mais tarde, transferiu 535 mil euros para uma sociedade em Portugal, com passagem por outras sociedades nas Seychelles, no Chipre e na Irlanda. Nenhuma estava oficialmente ligada ao ex-gestor da Caixa Geral de Depósitos. Parte desta quantia (390 mil euros) foi depois usada pela sociedade lusa para comprar um apartamento em Lisboa.
A atuação foi investigada no âmbito da Operação Marquês, na qual o Ministério Público chegou a associar o montante em causa a subornos recebidos por Armando Vara para beneficiar o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, em detrimento do banco público. Mas a acusação acabou por cair, em abril de 2021, na instrução do processo.
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O juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, decidiu então mandar julgar o antigo gestor em separado, apenas por um crime de branqueamento de capitais, pela ocultação, para enganar a Autoridade Tributária, da fortuna que terá ganho enquanto consultor. Em julho de 2021, acabou condenado em primeira instância e, agora, num tribunal superior. A próxima palavra será do Tribunal Constitucional.
A transitar em julgado, esta será a segunda condenação inscrita no registo criminal de Armando Vara. Em setembro de 2014, tinha sido condenado pelo Tribunal de Aveiro a cinco anos de prisão efetiva por tráfico de influência, no âmbito do processo Face Oculta, relacionado com o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho. Acabou por cumprir apenas parte da pena, entre janeiro de 2019 e outubro de 2021, beneficiando do regime excecional de perdão de penas instituído para evitar a propagação da covid-19 nas prisões. A medida beneficiou, no total, mais de dois mil reclusos.