Caixa Agrícola diz que já apresentou queixa-crime contra funcionário de Carrazeda de Ansiães que prometia lucros com aplicações. Perdas podem ascender a milhões.
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Dezenas de idosos, sobretudo ex-emigrantes, acreditaram em promessas de rendimentos elevados com aplicações e perderam boa parte das poupanças de uma vida de trabalho. Apontam o dedo a um funcionário da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Terra Quente (CCAM/TQ), com sede em Carrazeda de Ansiães.
O dinheiro terá desaparecido das contas dos depositantes ao longo de vários anos, mas só há cerca de um mês é que os idosos lesados começaram a aperceber-se da gravidade da situação. Víctor Gonçalves, administrador do banco, recusa-se a adiantar o montante desviado, mas poderão estar em causa milhões de euros.
Há menos de um mês, António Martins, ex-emigrante no Luxemburgo com 70 anos, recebeu um telefonema do bancário suspeito, António José Matos, e ficou desconfiado. "Se for chamado à Caixa, diga que me emprestou dinheiro", ter-lhe-á dito o comercial. O ex-emigrante foi à Caixa e, negando qualquer empréstimo, qual não foi o seu espanto ao constatar que na conta onde julgava ter 170 mil euros restavam só 250.
Fernanda Vieira, filha de ex-emigrantes em França representados por outro advogado, também está "revoltada". Os pais perderam 43 mil dos 50 mil euros que tinham poupado para um dia pagarem a um lar. E até a avó, na casa dos 90 anos, perdeu dez mil euros. Outros quatro clientes, cuja situação o JN também apurou ontem, perderam 200 mil. Mas as fontes contactadas garantiram que os ex-emigrantes lesados são às dezenas, no concelho de Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança.
Prometeu juros mais altos
António José Matos, bancário conhecido por mostrar muita simpatia e ostentar muito património, não se quis explicar ao JN. "Não é o momento certo", justificou. Víctor Gonçalves, administrador da Caixa, disse que esta já apresentou queixa-crime contra o funcionário, que estará suspenso, e requereu uma providência cautelar, "para garantir que o património dele não é desfeito".
O administrador não quis esclarecer o "modus operandi" do funcionário. "Podia dizer umas coisas a uns, outras a outros", limitou-se a responder, sugerindo que Matos variava de esquema, consoante o cliente. Um advogado contou que os seus clientes foram enganados da mesma maneira.
O bancário prometeu-lhes juros mais altos em aplicações financeiras na CCAM, pedindo-lhes autorização para levantar os montantes a aplicar. Sem qualquer literacia financeira, os clientes receberam falsas cartas promissórias e nenhuma prova das aplicações, mas não desconfiaram de nada, porque o comercial ia-lhes pagando os juros anuais de 2% a 3%, em numerário ou por depósitos em contas à ordem, acrescentou a mesma fonte.
E porque é que o banco nunca se apercebeu do desvio? "A Caixa tem auditoria interna, "compliance", gestão de risco, um quadro legal e, efetivamente, não foi detetado, porque as coisas eram feitas com as assinaturas das pessoas", respondeu Víctor Gonçalves. "Os meus pais não assinaram nada para o dinheiro sair da sua conta. Só têm falsas promissórias de dinheiro que, supostamente, estava na conta", contrapõe Fernanda Vieira, admitindo que as assinaturas tenham sido falsificadas.
REAÇÃO
Mulher do suspeito abandona vereação do PS
António José Matos, de 50 anos, é casado com a ex-candidata ao Parlamento Europeu Elsa Samões, que, por causa do escândalo, acaba de abdicar dos mandatos de vereadora e de presidente da Concelhia do PS de Carrazeda de Ansiães. O casal também se terá separado. O marido, além de bancário, é apicultor e terá tido financiamento comunitário para projetos agrícolas. Alegado dono de uma moradia que poderá valer centenas de milhares de euros, foi também proprietário de uma numerosa frota de automóveis. A caça é outra das paixões.
PORMENORES
Autoria interna
O administrador Víctor Gonçalves afirmou ao JN que a Caixa Agrícola tem em curso "uma auditoria interna para apurar tudo o que houver para apurar". "Em função disso, assumirá as responsabilidades que lhe forem assacadas", disse.
Inquérito-crime
O Ministério Público também abriu um inquérito, havendo clientes lesados que estão a ser notificados para prestar depoimento.
Sinais evidentes
Várias fontes ouvidas ontem pelo JN comentaram que o bancário suspeito exibia sinais exteriores de riqueza que não passavam despercebidos, mesmo dentro da própria Caixa Agrícola.