Administração da companhia recusou acordo entre advogados. Família de piloto morto a apagar fogos também exige indemnização.
Corpo do artigo
15023859
A TAP e a família de André Serra, o piloto que morreu, no último verão, a combater um fogo florestal em Foz Côa, continuam a discutir o pagamento de uma indemnização pela suspensão do curso de Oficiais Piloto de Aviação Comercial durante a pandemia.
O advogado da companhia aérea chegou a apresentar uma proposta de indemnização de 35 mil euros, que abrangeria os herdeiros de André Serra e cada um dos restantes 14 pilotos que avançaram com queixas similares. Mas nada foi pago até agora e, há dez dias, o início de dois julgamentos voltou a ser suspenso para que as negociações prosseguissem. A TAP refere que continua disposta a negociar.
Tal como o JN noticiou, André Serra desvinculou-se, em 2019, da Força Aérea para frequentar o curso aberto pela TAP para recrutar 130 pilotos. Contudo, em abril de 2020 e devido à pandemia da covid-19, a companhia área suspendeu a formação e cancelou o pagamento da bolsa mensal, deixando os formandos sem fonte de rendimento.
André Serra e outros 14 pilotos, que não beneficiaram de apoios do Estado por não terem qualquer vínculo laboral com a empresa, apresentaram, então, queixas contra a TAP, no Tribunal do Trabalho de Lisboa.
Acusaram a companhia aérea de não ter garantido "apoio aos formandos equivalente ao que havia feito com os restantes trabalhadores, numa clara atitude de discriminação, desinteresse e desresponsabilização quanto aos mesmos". Cada um deles pediu 76 mil euros de indemnização.
O caso chegou a tribunal e, em 22 de junho de 2022, a primeira tentativa de conciliação foi suspensa, devido à contestação apresentada pela TAP.
Companhia recusa culpa
Sem emprego desde que o curso foi suspenso, André Serra pediu dinheiro emprestado e desempenhou vários trabalhos precários para sobreviver. Foi motorista da Uber, assistente veterinário e, durante o verão, pilotava aviões que combatiam os fogos florestais em Portugal. Estava a bordo de uma destas aeronaves quando, a 15 de julho do ano passado, morreu.
Na ocasião, a TAP comentou, pela primeira vez, a queixa apresentada contra si, alegando que "André Serra concorreu por opção própria ao curso de Oficiais Piloto de Aviação Comercial". "O curso frequentado pelo piloto André Serra, bem como pelos demais pilotos, não foi concluído por razões ponderosas e legítimas correlacionadas com o contexto pandémico", defendeu a companhia aérea.
Volte face
Em dezembro último, aquele que seria o primeiro julgamento das cinco ações em curso foi suspenso no dia em que ira começar. Os advogados dos pilotos e da TAP informaram o juiz que "lograram chegar a uma plataforma de entendimento" e foi requerido um prazo de 30 dias para formalizar o acordo, devido "à necessidade de submeter [a proposta] ao conselho de administração".
"A plataforma de entendimento" previa o pagamento de uma indemnização de 35 mil euros e seria extensível a todos os pilotos que subscreveram as queixas e à família de André Serra. Convencidas de que tudo estaria solucionado, viúva e filhas menores do piloto falecido enviaram à TAP, em 13 de janeiro, a habilitação de herdeiros, mas continuam sem receber o dinheiro e, durante estes mais de dois meses, não tiveram qualquer contacto com a companhia aérea.
E o tempo de espera deverá prolongar-se, porque, no final do mês passado, o início de outros dois julgamentos sobre a mesma matéria foi novamente adiado por 30 dias.
PORMENORES
Empresa mantém negociações
Em resposta enviada ao JN, a TAP assegura que "está, desde o início, aberta ao diálogo e à negociação". "Simplesmente, não aceitou a proposta inicial apresentada pelo mandatário do autor. Os mandatários das partes acordaram a suspensão dos processos, de forma a continuarem as negociações tendentes a alcançar um possível acordo, e é essa a situação em que os processos se mantêm até ao momento", acrescenta fonte oficial.
Juiz decretou nova suspensão
"Atentas as razões aduzidas pelas partes (das quais decorre que as mesmas estão a negociar uma transação com vista a pôr termo ao presente litígio), é manifesto que a realização da audiência de julgamento redundaria na prática de um ato inútil, que a lei proíbe", justificou o juiz, no final da audiência de 30 de janeiro.
André Serra ainda largou a água para evitar o acidente
"Movimento abrupto" por explicar esteve na origem da queda da aeronave em Foz Côa.
André Serra percebeu um "movimento abrupto" do avião e ainda largou a água que transportava para evitar a queda. Porém, a aeronave não conseguiu "recuperar a altitude", colidiu com a "semiasa direita num primeiro socalco" da montanha e só ficou imobilizada a "45 metros do ponto de contacto inicial".
Foi desta forma que o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GIPAAF) explicou o acidente que, em 15 de julho do ano passado, vitimou o piloto do Barreiro.
Num relatório preliminar sobre o desastre de Foz Côa, os analistas revelaram que o piloto do segundo avião que combatia as chamas no mesmo local visualizou a queda e despejou a água em cima das chamas que consumiam o Fire Boss de André Serra. Nada que impedisse a morte do antigo capitão da Força Aérea.
O GIPAAF descreveu ainda que, pelas 18.45 horas daquele fatídico dia, dois aviões que combatiam as chamas em Foz Côa foram reabastecer água para realizar uma última descarga e ambos iniciaram a subida sem problemas.
O Fire Boss pilotado por André Serra contornou "o monte da margem esquerda do rio Douro" e, quando estava a cerca de 330 metros de altura, "iniciou um movimento abrupto com nariz e asa direita em baixo".
"Tal movimento foi imediatamente seguido pela ação do piloto com a abertura em emergência da carga de água transportada. Decorrente da perda de controlo e sem recuperar a altitude, a aeronave colidiu inicialmente com a semiasa direita num primeiro socalco", relataram os técnicos.
O avião imobilizou-se "a 45 metros do ponto de contacto inicial", incendiou-se e foi consumido pelas chamas.
As comunicações do piloto mostraram "que durante todo o voo nada foi reportado sobre algum problema ou limitação da tripulação ou aeronave".