João Ribeiro da Cruz, cabo da GNR e mestre em criminologia, apresenta no próximo sábado o seu livro "Lenocínio Vs. Prostituição - Visão dos Magistrados e Polícias", que reúne inúmeras entrevistas de magistrados do Ministério Público, mas também de órgãos de Polícia Criminal que diariamente lidam com a prostituição. Ao JN, explica o que o levou a escrever o livro e a sua visão sobre o lenocínio.
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Porque escreveu o livro?
R: Dar continuação ao projeto de Investigação qualitativa realizado na Dissertação do Mestrado de Criminologia da Universidade do Porto.
Porque escolheu este tema?
R: Sabemos que o lenocínio é um tema real, mas sensível e delicado, pouco divulgado e escondido, infelizmente, no mundo atual parece que o não aparece na televisão, no "feed" das redes sociais "Instagram, Twitter ou Facebook, até Linkedin, então não aconteceu. É por isso, muito importante sensibilizar as pessoas, para este fenómeno (crime), porque a realidade é esta, a maioria das pessoas não sabe o que é , o quer dizer lenocínio, mas sim sabe ou associa à prostituição. Contudo porém será que esta sociedade e a mentalidade existente estarão preparadas para estes fenómenos, uma vez que existem "amarras ideológicas, religiosas e com muitos mais preconceitos.
Qual o contributo é que pretendeu dar para este tema?
R: O meu livro seja um alerta para a comunidade, porque não se pode fechar os olhos à prostituição porque existe... Dando condições a nível da proteção da saúde pública, controlo sanitário, e para que seja desenvolvida de uma forma mais acética e mais segura a quem procura estes serviços, proteger os clientes, garantindo as condições de higiene e segurança para que se dedica a este tipo de atividade, com a inerente proteção que uma atividade regulamentada. As pessoas poderiam exercerem essa atividade livremente, se existem casas de prostituição , em que há alguém que lucra com essa atividade, na minha perspetiva deveria continuar a ser criminalizado". Contudo a regulamentação é um passo para que haja transparência e liberdade.
Quais foram as dificuldades que enfrentou?
R: Na minha opinião, foram varias no entanto houve duas com mais exigência: 1-A nível de resultados de investigação do crime do lenocínio, após a transcrição e codificação das entrevistas. 2- Fazer a análise minuciosa, dos participantes como magistrados (Juízes, Procuradores do Ministério Publico), bem como coordenadores da Polícia Judiciária, do Serviço Estrangeiro e Fronteiras e Polícia de Segurança Pública , comandantes da Guarda Nacional Republicana especialmente comandantes e agentes, guardas do Núcleo de Apoio à vitimas da Investigação criminal da G.N.R e PSP. Contudo cheguei a uma conclusão que deverá passar pela aposta de mais formação aos órgãos de polícia criminal, exigir às entidades policiais uma maior sensibilidade e perspicácia, a este tipo de crimes, complementando com manuais de procedimentos em cada esquadra ou posto, que efetivamente permite-nos rentabilizar o tempo e vitimas. Certamente um maior investimento em tecnologia (sistemas de videovigilância), implementando. Apostar mais nos meios de prova: como exemplo o sistema de Lofos cópia da G.N.R (AFIS) que está ligado a Polícia judiciária. 2- A cooperação transfronteiriça, na partilha de informações, partilha de boas práticas , o diálogo com as autoridades, que tem por objetivo promover uma cooperação mais estreita entre as autoridades competentes de dois ou mais EstadosMembros que conduzam processos penais, com vista a uma melhor e mais eficaz administração da justiça, é fundamental.
Porque escolher um modelo de entrevista?
R: Tendo em conta que na descrição do nosso objetivo falamos de testemunho de profissionais, isso significa que pretendemos recolher informação relativa ao conhecimento, pontos de vista e experiências vividas por estas pessoas, no âmbito das suas funções de prevenção e repressão do crime Lenocínio e , e por isso, tal pretensão, remete-nos para o domínio da relação interpessoal com outras pessoas, e como tal, optamos pela utilização de entrevistas, definidas como "conversas guiadas, para proceder à recolha dos dados de que necessitamos. Neste livro uma vez que se pretende explorar aspetos relacionados com a experiência e opinião destes profissionais, acho que o tipo de entrevista mais indicada seria a entrevista semiestruturada porque se é verdade que, por um lado, temos uma ideia acerca da realidade específica que pretendo abordar, por outro lado, se quero explorar as experiências e opiniões dos profissionais que vou entrevistar, não posso construir à partida um guião altamente específico ou fechado. A amostra foi constituída por diversas patentes da Investigação Criminal da G.N.R, Inspetores-chefe da Polícia Judiciária, Inspetores-chefe dos Serviços Estrangeiros e Fronteiras e Juízes quer de instrução quer de julgamento, que investiguem e participem na prossecução e sentença, ou tenham investigado ou participado na prossecução e sanção de crimes de Lenocínio. A opção por estes profissionais prende-se com o facto de estes serem os principais intervenientes do sistema de justiça criminal, cada um com responsabilidades em diferentes etapas. Trata-se, portanto, de uma estratégia de amostragem por Intencional estratificada , na medida em que escolhemos os sujeitos em função de determinadas características, nomeadamente as funções profissionais e o local de realização das mesmas de tentar perceber as perceções dos vários programas entre Órgãos de Policia Criminal participantes e não participantes chefias baseadas em critérios intencionais. O nosso instrumento de recolha de dados compreende as seguintes dimensões, que correspondem aos principais assuntos da entrevista: Caracterização do crime de Lenocínio; tomada de conhecimento; investigação criminal; construção da acusação; julgamento; e lei. Com o tópico "tomada de conhecimento" pretendemos aferir: como é que as autoridades tomam conhecimento da prática de crimes de Lenocínio; que elementos compõem essa notícia de crime; o que se faz, ou se pode fazer, em termos de atividade proactiva. No tópico dedicado à investigação criminal pretendemos explorar: diligências de investigação adotadas; o que se procura, ou seja, que meios de prova se procuram; os meios de obtenção da prova se usam; os resultados da investigação. Relativamente à acusação pretendemos saber: se normalmente se reúnem elementos suficientes para construir acusações; de que matéria é que os Juízes dispõem, ou seja, que prova se consegue coligir. No que diz respeito à dimensão julgamento, queremos: conhecer as características dos casos que normalmente chegam a julgamento; e saber o que é que, através dos factos provados e relativamente às situações sob julgamento, ficou demonstrado. Por fim, no que respeita à dimensão dedicada à lei, procuramos saber se: as sanções cominadas legalmente são adequadas, tendo em conta os objetivos de prevenção geral e especial; e que obstáculos é que o quadro legal vigente levanta à boa prossecução deste tipo de crimes.
O que ficou de fora e gostaria de ter aprofundado?
R: Consciencializar e alargar aos os/as docentes, educadores, estudantes e também os profissionais de enfermagem, 1- Quando as vitimas chegam aos serviços de saúde e respetivos/as profissionais, pelo que se torna premente (in)formar os mesmos /as para a identificação de eventuais situações, bem com outros crimes interligados Violência Doméstica e Tráfico Seres Humanos , as possíveis abordagens a considerar em diferentes situações , sem comprometer as regulamentações estipuladas pelas entidades competentes e pelas hierarquias em que estes/as profissionais se inserem, os diferentes planos de intervenção para diversas-problema e as consciencialização da vítima para necessidade ulterior da sua colaboração ao longo de todo o processo, não só para prevenir eventuais reincidências, mas também para intervir de imediato quando, e sempre que, as mesmas ocorram. Por isso o primeiro contacto direto (atendimento) com vítimas é muito importante porque muitas das vezes poderão identificar de forma quase imediata, em intervir eficazmente e prestar auxílio necessário à recuperação física das mesmas, informá-las sobre os seus direitos e proceder ao encaminhamento destas para todas as valências e estruturas de auxílio que poderão complementar a recuperação emocional das vítima em proceder para que a mesma seja acompanhada de forma efetiva, evitando assim novas situações destes crimes, que serão, tendencialmente mais severas e, consequentemente, mais traumáticas a todos os níveis para as vítimas.
Irá escrever sobre outros temas no futuro?
R: Sim, quero dar continuidade ao mesmo tema mas acrescentar o testemunho das vítimas: "Lenocínio vs Prostituição: A visão dos Magistrados e Polícias e Vítimas", escrever um livro com factos/testemunhos reais, com maior sigilo e anonimato, para tentar perceber das mesmas, em relação: a violência psicológica, emocional, a perseguição, Violência Social e económica. No entanto temos que desmitificar os tabus a resolver no quadro da criminalidade sexual (violação sexual), problemas de Auto culpabilização, de preconceitos culturais, até preconceitos do tribunais que levaram muitas mulheres, a calar, a viverem silêncio, sofrimentos imagináveis com medo do companheiro, da vizinhança ou da polícia. falar também em criar/implementar gabinetes de apoio com psicólogos, técnicos segurança social, que estivessem interligados às instituições (Polícias e Magistrados ). Consciencializar e alargar aos órgãos de policia criminal nas esquadras, postos, padres para transmitirem aos jovens na sua catequese valores muitas das vezes perdidos e também a implementação nas escolas, juntas de freguesia e câmaras municipais, a disciplina educação religiosa, e uma disciplina em relação aos fenómenos criminais (violência no namoro), Ciberbullying, reforçando com formações de sensibilização e prevenção. Tentar conseguir mudar mentalidades, muitas das vezes o estigma social que lhe está associado e o estatuto de irregularidades que representam algumas das razões apontadas para a dificuldade de cooperação das vitimas com as autoridades. Por fim a regulamentação da Prostituição principalmente implementar medidas proactivas em relação à saúde pública.