As rusgas feitas nos primeiros cinco meses de 2018 retiraram mais de mil telemóveis das cadeias - quase metade dos aparelhos apreendidos em cada um dos dois anos anteriores.
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A escassez de telefones nas celas é agora tanta que um dispositivo custa, no mínimo, 400 euros no mercado negro e há gangues que se envolvem em confrontos para garantir o domínio das telecomunicações no interior das prisões.
A existência de telemóveis nas cadeias era, há muito, conhecida das autoridades e da opinião pública. Porém, a publicação de vídeos filmados com telemóveis e transmitidos, por vezes em direto, nas redes sociais pelos próprios reclusos mostrou que o acesso aos dispositivos, mas também à Internet, era fácil, rápido e sem controlo.
O primeiro vídeo a causar indignação foi tornado público a 10 de fevereiro e expunha presidiários a cantar e dançar numa festa de anos, na cadeia de Paços de Ferreira. As imagens, transmitidas pelo Facebook, levaram à demissão, cinco dias depois, da diretora do estabelecimento, Maria Fernanda Barbosa, que, ouvida no Parlamento, alegou a falta de guardas prisionais para justificar o descontrolo visto online.
Ainda em fevereiro, um segundo vídeo na mesma prisão adensou a polémica, ao exibir presos a fumar droga em direto. Já em abril, novos vídeos revelaram que o descontrolo alastrava às cadeias de Vale de Judeus e do Linhó, onde reclusos se filmaram a ameaçar um rival com uma faca e em mais uma festa de anos.
Reação musculada
A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) reagiu em força e, no mesmo dia em que a diretora Maria Barbosa foi demitida, fez uma rusga às celas de Paços de Ferreira, com mais de uma centena de guardas, que detetaram 79 telemóveis. Esta prisão voltou a ser vistoriada 11 dias depois e mais 18 telemóveis foram apreendidos. No final de março, houve buscas na cadeia da Carregueira e, já este mês, no Linhó. Telemóveis (27), carregadores e auriculares foram apanhados.
A DGRSP não revela o número das "buscas seletivas" feitas, mas avança que, "entre 1 de janeiro e 24 de maio [última sexta-feira], foram apreendidos 1056 telemóveis", número significativo tendo em conta que no ano passado foram apanhados 2208 e, em 2017, 1934. Desmente, todavia, "que se tenha verificado qualquer aumento da conflitualidade entre reclusos por causa das apreensões de telemóveis".
Posição rebatida por fontes contactadas pelo JN. "Os guardas prisionais têm andado muito atentos ao uso de telemóveis e os presos não arriscam ter os aparelhos na sua posse, porque sabem que tem havido muitas rusgas e podem ser penalizados", explicam. Aliás, acrescentam, a falta de dispositivos leva a que estes sejam furtados por reclusos a reclusos e, depois, revendidos. "Isto tem provocado confrontos e, há cerca de dois meses, houve uma "guerra" entre dois grupos rivais, na prisão do Linhó. Os líderes foram transferidos e um dos reclusos envolvidos recusou-se a comer durante dias, porque disseram que iam envenenar-lhe a comida", descrevem.
LINHÓ
Cozinheira de empresa apanhada
Em abril, uma cozinheira da empresa que confeciona e serve refeições no Linhó foi apanhada a tentar introduzir na cadeia três telemóveis, com carregadores e cartões SIM, e haxixe. Levava o contrabando colado ao corpo, mas não enganou os guardas, acabando detida. Segundo a DGRSP, o caso foi "imediatamente, comunicado à empresa para a qual a pessoa trabalhava, com a indicação de que a partir daquele momento estava impedida de entrar em qualquer estabelecimento prisional".
ALTERAÇÕES LEGAIS
Modelo desadequado
Para a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais o modelo atual - uma chamada por dia durante cinco minutos - está "desadequado da realidade" e, por isso, trabalha num "novo quadro legal" que garanta "mais comunicações aos reclusos" e ataque "o tráfico de telemóveis".
Inspiração em França
França optou pela "instalação massiva de telefones nas celas, com chamadas livres", com controlo dos "números de destino". Resultado: "diminuição acentuada dos incidentes registados e queda abrupta do tráfico", frisa a DGRSP.
Experiência este ano
Um projeto-piloto avançará este ano. "Os aparelhos atingiram dimensões de tal forma minúsculas que a sua deteção se torna muito difícil", justifica a DGRSP.