A serra do Gerês foi palco, pelo menos nos últimos dois meses, do abate ilegal de cabras-montesas, por caçadores furtivos que vendem as cabeças desta espécie protegida como "troféus", nunca por menos de cinco mil euros, em Portugal, ou sete mil, em Espanha.
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Estes crimes foram denunciados pelo Grupo Gerês e estão a ser investigados pela GNR, através do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA). O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) também já reforçou a vigilância na serra do Gerês, apurou o JN.
Os operacionais do SEPNA foram alertados para os corpos de dois machos da espécie que foram encontrados sem cabeça, entre finais de dezembro e inícios de janeiro, na zona fronteiriça do Parque Nacional da Peneda-Gerês e do Parque Natural da Baixa Limia - Serra do Xurés.
Em zonas mais altas da serra do Gerês, confinantes com território espanhol, é frequente a linha de fronteira ser ultrapassada por caçadores do país vizinho. Entram através de Réquias, no concelho raiano de Muiños, província de Ourense, à procura das cabras-montesas.
Em território português, o abate da espécie é expressamente proibido, enquanto do lado espanhol é possível, se autorizado e acompanhado pelas autoridades locais. A diferença legislativa potencia o abate criminoso em Portugal.
Machos mais cobiçados
Os machos da espécie são mais cobiçados - devido, sobretudo, à sua armação - inclusivamente pelos caçadores que não se aventuram pelos lugares mais inóspitos da serra do Gerês, mas se dispõem a pagar uma fortuna por uma cabeça. Depois de as mandarem embalsamar, uma operação que dificilmente custa menos de 750 euros, se executada com critério, exibem-nas numa parede das suas casas.
Fonte oficial do ICNF confirmou, ao JN, que "decorrem diligências para apurar as circunstâncias" em que ocorreram os dois referidos casos. O instituto não tem "conhecimento de mais casos", mas foi "reforçada a vigilância na zona, através dos vigilantes da Natureza do ICNF, e informado ainda o SEPNA da Guarda Nacional Republicana, após o que será efetuada uma comunicação ao Ministério Público sobre os factos apurados nas investigações em curso", acrescentou.
Sabe-se que os machos monteses encontrados sem cabeça foram abatidos a tiro. Depois de decapitados, as suas carcaças foram deixadas para os lobos. Se aquelas não tivessem sido encontradas a tempo, é provável que as mortes daqueles exemplares fossem atribuídas a ataques de alcateias.
Segundo informações recolhidas pelo JN, um terceiro macho montês foi encontrado sem cabeça na serra do Gerês. Mas este caso não estará a ser objeto de investigação criminal, porque se concluiu que o animal foi morto por lobos e, poucas horas depois, alguém terá serrado a cabeça para a vender no mercado negro.
A regra é os vigilantes andarem desarmados, mas há exceções
Os vigilantes do ICNF andam, por princípio, desarmados, mas podem, caso a caso, pedir arma de defesa. Em situações delicadas, podem chamar a GNR. Na serra do Gerês, o abate ilegal de cabras-montesas levou o ICNF a reforçar a vigilância, mas subsiste a perceção de que estão em minoria, face aos caçadores furtivos, sempre bem armados. Ainda na semana passada, na Alemanha, a caça furtiva fez duas vítimas mortais. Dois polícias, de 24 e 29 anos, foram abatidos à queima-roupa por dois caçadores furtivos, quando os surpreenderam com a mala do carro cheia de caça proibida, na Renânia.
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Espécie reintroduzida há 30 anos
Depois de a "capra pyrenaica lusitanica", como subespécie de Ibex, se ter extinguido há um século, surgiu há 30 anos na serra do Gerês a "capra pyrenaica victoriae", vinda da serra de Gredos, em Espanha. Em língua portuguesa, é comum chamar-se-lhe tanto cabra-montês (no plural, cabras-monteses) como cabra-montesa (cabras-montesas)
Reserva mundial de biosfera
A caça furtiva destes animais tem acontecido no Parque Transfronteiriço do Gerês-Xurés (Portugal/Espanha), inserido na reserva da biosfera mundial da UNESCO e que é zona protegida.