Juiz presidente aponta desconhecimento da comarca de Lisboa a concorrentes e mantém administradora judiciária interina. Lei exige habilitação.
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O juiz presidente de Lisboa, Artur Cordeiro, rejeitou, este mês, nomear um novo administrador judiciário para a comarca, por entender que os candidatos, selecionados pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), não tinham perfil para o cargo, apesar de terem formação específica para tal e de alguns deles terem exercido a função noutras comarcas.
Em causa está o facto de desconhecerem o funcionamento da comarca de Lisboa e a "melhor forma" de enfrentar a sua "escassez" de meios. No lugar, permanece, assim, uma escrivã nomeada há dez meses em regime de substituição, após a anterior administradora ter cessado funções, e que não frequentou o curso que a lei exige para o cargo.
Ao JN, Artur Cordeiro admite que, "em geral", o desconhecimento da comarca não é "fundamento legal suficiente para que não exista uma nomeação". Contudo, acaba por salientar que nenhum dos candidatos "tinha verdadeiramente um conhecimento sobre a comarca" e que este é "essencial, não por questões de nobreza, mas antes pela sua dimensão e complexidade".
Ao todo, estão afetos à comarca cerca de 400 juízes e procuradores e mais de 800 oficiais de justiça, distribuídos por 15 grandes edifícios.
"Isto não significa, naturalmente, que a posição fique automaticamente vedada a qualquer candidato que tenha exercido funções fora de Lisboa, pese embora o conhecimento da comarca, para mais num momento em que se impõem reestruturações profundas (em face da exiguidade dos meios humanos disponibilizados), seja fulcral", diz.
Juiz desvaloriza critério
Segundo a Lei de Organização do Sistema Judiciário, de 2013, as comarcas têm gestão tripartida por um juiz presidente, um procurador coordenador e um administrador. Este é um oficial de justiça, competindo-lhe "dirigir os serviços da secretaria", gerir salas de audiência e "executar, em colaboração com o Ministério da Justiça, o orçamento".
A lei diz que "o exercício de funções implica a aprovação em curso de formação específico". Para Artur Cordeiro, tal "não obriga" à "nomeação de um administrador apenas porque tem a habilitação formal".
"O elegível deverá ser objeto de um juízo de adequação por parte do juiz presidente da comarca e do magistrado do Ministério Público coordenador, que, no caso, estiveram em total sintonia", justifica, ao JN, frisando que a existência de "candidatos com formação formal não significa que outros não tenham os conhecimentos (formais),mas que, por qualquer motivo, não possam ter acedido à formação formal".
O juiz defende, aliás, que a solução para Lisboa poderia passar pela "abertura de cursos idóneos a conferir habilitação formal a quem exerce, na prática (e superiormente, diremos mesmo) as funções em causa".
Em outubro, ao nomear a atual administradora judiciária, Cordeiro admitiu que esta, à data em funções no gabinete de apoio à gestão da comarca de Lisboa, não tinha o curso "para o exercício de funções", mas era "a melhor solução imediata". O conhecimento dos serviços, a "inteligência" e "perspicácia pouco vulgares" e a sua "dedicação" foram as características invocadas.
A DGAJ abriu o concurso para o novo administrador judiciário a 27 de dezembro. E, segundo o despacho de Artur Cordeiro datado de 4 de agosto, propôs 33 funcionários com aprovação no curso: 16 vieram a desistir; sete não foram sequer entrevistados pelo juiz, porque tinham sido rejeitados em concursos anteriores, estavam de baixa ou perto da reforma; e dez foram chumbados após entrevista.
Ao JN, a DGAJ lembrou que os atos dos presidentes de comarca são recorríveis para o Conselho Superior da Magistratura, mas não revelou o próximo passo.
Só oficiais de justiça com "muito bom" podem tirar especialização
Há duas vias, na legislação, para um oficial de justiça se candidatar ao curso de administrador judiciário. A primeira é ter a categoria de secretário de justiça (posição de chefia), com "muito bom" na última avaliação de serviço. A segunda implica que tenha 15 anos de carreira, "muito bom" na última avaliação de serviço, e formação superior em Administração Pública, Contabilidade, Direito, Economia, Finanças, Gestão ou Matemática. A formação existe desde 2013 e é ministrada pelo Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, onde também são formados os magistrados.
Tinha competências
O juiz presidente fez um despacho no qual justificou a rejeição de cada candidato. Uma oficial de justiça de Viseu, por exemplo, "demonstrou competências técnicas ao nível da gestão de recursos humanos e da contratação pública", mas desconhecia a "estrutura dos serviços" da comarca, sustentou Artur Cordeiro.
Falhou noutro cargo
Um candidato da comarca de Lisboa "demonstrou conhecer" o seu funcionamento e tinha "experiência na área da gestão orçamental e da contratação", mas deixou desorganizado o serviço que chefiara, justificando-se com a falta de recursos e um problema de saúde.