Anúncio de plataforma comercial sediada no Chipre prometia lucros avultados e só deu prejuízo a homem e mulher de Gaia. PJ investiga suspeitas de burla.
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Ana e António, ela reformada do ensino e ele ex-diretor de empresas, tiveram "uma vida bonita" até abril de 2022, quando a mulher viu um anúncio a prometer significativos lucros a quem investisse em ações dos CTT. O casal de Gaia aplicou as poupanças de uma vida nas supostas ações - cerca de 300 mil euros - e perdeu tudo. A Polícia Judiciária está a investigar.
A empresa que anunciou as ações, a INVESTFW, é uma plataforma comercial da ITrade Global (CY) Ltd, sediada no Chipre, mas autorizada a operar em Portugal, como noutros países da União Europeia. Ana tomou nota do contacto e decidiu telefonar, "para ver como aquilo funcionava".
Fê-lo por desmedida ambição? "Não", responde ela ao JN, era uma experiência, porque "estava a começar a ficar farta das taxas e taxinhas dos bancos onde tinha uma pequena fortuna em promissórias". "De qualquer modo, eram apenas 250 euros", acrescenta Ana.
Vendedora de prudência
Atendeu-a uma senhora, "portuguesa", que lhes "explicou" o negócio. Devia abrir uma conta e investir em ações dos CTT, mas poderia ser outro tipo de investimento, em ouro, gás natural, etc. "Falou tão bem" que Ana quis arriscar mil euros. Mas a interlocutora arrefeceu-lhe o ânimo: "Não, comece por investir os 250 euros e depois vê se vale a pena". O conselho desvaneceu qualquer desconfiança que Ana pudesse ter. "Conquistou-me logo com a sua prudência", enfatiza. Mas era engodo, como constataria mais tarde.
Ana começou a receber telefonemas de vários colaboradores da INVESTFW, nomeadamente Sérgio Martins, Tomás Delfino Manuel (não sabe se os nomes são reais) que, de uma forma que Ana não é capaz de explicar, a convenceram a investir mais. Quando deu por ela, já lá tinha "enfiado" 20 mil euros e estava a dever-lhes 12 mil. Traduzindo, as perdas iam em 32 mil euros. E os telefonemas e emails não paravam: "É preciso investir mais, no ouro ou no gás natural, e rapidamente recupera o seu dinheiro e ganha ainda muito mais".
Ana não foi na patranha, mas convenceu-os de que investiria mais, apenas e se recuperasse os 20 mil que lá tinha posto. E foi rápida a recuperação... Quando viu os vinte mil a seu favor, levantou-os e telefonou a dizer que queria encerrar as contas. Tentaram "de todas as maneiras" demovê-la, mas ela ia ser internada, para uma cirurgia, e deixaria o marido como procurador para encerrar as contas.
CMVM sacode culpas
António, apesar da sua experiência passada na direção de empresas, foi um cordeiro na boca daqueles lobos. Quando Ana saiu do hospital, início de novembro 2022, já o marido tinha investido a totalidade das suas poupanças, à volta de 300 mil euros. "Eles disseram que, se conseguir investir mais 100 mil, recuperamos tudo", disse António à mulher, tentando convencê-la a vender um apartamento que têm em Gaia.
Ela já não se iludiu mais e foi-se queixar à PJ. Participou ainda à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que a aconselhou a queixar-se à sua congénere cipriota ("Cyprus Securities and Exhange Commission"), a qual também sacudiu responsabilidades.
Advogado fala em esquema sofisticado
O advogado do casal, Manuel José Mendes, conta que os clientes apresentaram "denúncia criminal" e foi aberto "inquérito", por factos "graves e dotados de elevado grau de sofisticação". "[Os denunciados] não têm rosto, comunicam telefonicamente e vão dando instruções, enviando minutas de contratos cujo teor é impercetível pelos meus clientes, ordenando transações, e outras formas de apelo a "injeção de capital" em contas bancárias", diz, concluindo: "Os meus clientes, mercê da conduta dos denunciados e que percutem como indiciariamente criminosa, sofreram um considerável dano patrimonial, estando a vivenciar dificuldades económicas".
Pormenores
Empresa em silêncio
Há uma semana, o JN dirigiu um conjunto de perguntas à empresa INVESTFW, mas não obteve nenhuma resposta.
CTT alertaram
Em junho de 2022, os CTT alertaram "para a utilização abusiva do seu nome e imagem" em anúncios, na net, de investimentos. Os CTT queixaram-se ao Ministério Público, mas a campanha não parou.
Repudiam abuso
"Os CTT repudiam veementemente esta situação e informam que não participaram de forma alguma no desenvolvimento de qualquer tipo de plataformas de investimento online, nem de qualquer outra solução semelhante", escreveu a empresa em 2022.
O míssil na Polónia e a salvação da "conta islâmica"
Numa gravação a que o JN teve acesso, um dos colaboradores da INVESTFW teima com António que, para recuperar os 300 mil euros investidos, tem de investir mais "100 mil euros", que deveriam ser transferidos para a "conta islâmica". Quanto à razão de tamanha perda, António foi informado de que tinha sido "por causa de um míssil que caiu na Polónia" e fez abanar as bolsas de valores.