Guardas prisionais estão em greve pelo menos até ao fim do ano. Classificação das diligências como urgentes e recurso a videoconferência têm permitido mitigar consequências do protesto.
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Em cerca de dois meses, foram adiados centenas de julgamentos de norte a sul do país, por não ter sido assegurado o transporte de presos a tribunal, devido à greve dos guardas prisionais em curso a diligências não urgentes. A classificação das sessões como inadiáveis e o recurso a videoconferência desde as cadeias têm sido as medidas adotadas pelos juízes para mitigar os efeitos do protesto, que deverá durar pelo menos até ao fim deste ano.
De acordo com os dados fornecidos ao JN pelos presidentes de comarca, entre 1 de setembro e 21 de outubro foram adiadas 392 audiências, na sua maioria de julgamento, em 15 das 21 divisões do país, com destaque para as de Lisboa, Aveiro, Leiria, Porto e Braga (ver mapa). Nem todos os reagendamentos foram contabilizados.
Na Comarca de Faro, os adiamentos não estão quantificados, enquanto nas da Guarda e de Portalegre não há registo de reagendamentos. Os líderes das comarcas de Porto Este, Lisboa Norte e Beja não responderam.
Direitos "em conflito"
António José Fialho, juiz presidente da Comarca de Setúbal, lembra que há dois direitos "em conflito": o dos guardas prisionais à greve e o do "arguido estar presente nos atos processuais que lhe digam diretamente respeito". Este tem como exceção o "serviço inadiável e urgente", permitindo a realização de certas diligências.
Na Comarca de Faro, explica o seu presidente, os juízes apenas têm comunicado "aos estabelecimentos prisionais a necessidade de determinada pessoa neles recluída ser transportada ao tribunal nos casos (concretos) em que o prazo da prisão preventiva pode ser alcançada sem ser realizada a audiência e a leitura da decisão final (sentença ou acórdão) ou em situações em que o adiamento da diligência pode pôr em causa a liberdade das pessoas". "Nestas situações, o Corpo da Guarda Prisional tem efetuado o transporte dos reclusos a juízo [tribunal]", salienta Henrique Pavão.
A garantia é corroborada por magistrados de outros distritos, que indicam também os meios de comunicação à distância como alternativa à falta de transporte.
"O impacto da greve tem sido minimizado com o recurso a videoconferência com a intervenção dos arguidos, realizada a partir dos respetivos estabelecimentos prisionais (EP), quando não existe oposição por parte da defesa e sempre que os EP tenham meios técnicos para assegurar a sua realização", frisa a juiz presidente da Comarca de Lisboa Oeste, Gabriela Lopes Feiteira.
O seu homólogo de Viana do Castelo, José Alvoeiro, alerta, de resto, que também a disponibilidade destes meios tem sido condicionada pela paralisação.
Só se sabe no dia
Certo é que, aponta o juiz presidente da Comarca de Castelo Branco, Miguel Castro, a impossibilidade de prever se o arguido comparecerá implica sempre que os restantes intervenientes processuais tenham de se deslocar a tribunal, "com os inerentes prejuízos em caso de adiamento". Paralelamente, há processos, que até podem nem ter arguidos presos, a serem afetados.
"As agendas do tribunal entram em situação de total desorganização, sendo que, em prol de permitir o acolhimento de processos urgentes, os restantes julgamentos vão sendo adiados em efeito "dominó" de reagendamentos sucessivos", resume o líder da de Évora, José Saruga Martins.
Protesto
"Carreira dos guardas está a ser minada na sua evolução"
O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) lamenta que, desde que o protesto começou, a 1 de setembro, não tenha existido qualquer contacto por parte do Ministério da Justiça ou da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. "Ninguém falou connosco", garante, ao JN, Carlos Sousa, lembrando que os pré-avisos de greve têm sido semanais para que a tutela tenha tempo para mostrar "abertura ao diálogo". Com este protesto, os guardas prisionais pretendem, por um lado, que seja aberto concurso para a categoria de guarda principal, pelo qual aguardam há quase 23 anos, e, por outro, que seja publicado o seu sistema de avaliação, previsto na lei desde 2014. "A carreira está a ser minada na sua evolução por falta desse sistema", sublinha Carlos Sousa. O SNCGP promete, por isso, não desistir, devendo a greve durar, pelo menos, até ao fim deste ano.
Casos
Assaltos a lares
O julgamento, em Coimbra, de um grupo acusado de ter assaltado vários lares foi adiado sem a data, a 6 de setembro, devido à greve. Três dos arguidos estão em prisão preventiva.
Acusado de matar
Um homem acusado de ter matado outro, em Figueiró dos Vinhos, começou a ser julgado um mês mais tarde, em Leiria, por não ter sido levado a tribunal na primeira data agendada.
Tráfico e sequestro
Os julgamentos de um grupo suspeito de tráfico humano e de militares da GNR acusados de sequestrarem migrantes foram alguns dos casos afetados em Beja.