Quis expulsar de casa a vítima, que é doente oncológica, e tirou-lhe as chaves à força. Tribunal rejeitou haver violência doméstica e aplicou multa por ofensa à integridade física.
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Um homem de Grândola tentou expulsar a companheira de casa por esta se recusar a preparar-lhe uma refeição de borrego de madrugada, à uma hora. Noutra noite, manietou-a e forçou-a a dar-lhe as chaves de casa. A mulher, que lutava contra uma doença oncológica, chegou a tentar o suicídio. Ao saber disso, o homem rebaixou-a e ofendeu-a. O caso foi parar a tribunal, mas tanto os juízes da primeira instância como os da Relação de Évora consideraram que não houve crime de violência doméstica. Condenaram o homem por ofensa à integridade física. Terá de pagar uma multa de 1600 euros e indemnizar a ex-companheira em 750 euros.
Em resposta aos recursos do Ministério Público (MP) e da vítima, que pediam a condenação do arguido por violência doméstica - crime do qual tinha sido inicialmente acusado -, os desembargadores consideraram que a situação está próxima da fronteira daquele tipo de crime, mas "é insuficiente" para configurar o elemento "maus-tratos" (físicos e/ou psíquicos), configurando antes uma lesão do bem jurídico "integridade física".
O casal esteve junto cerca de 18 anos. Em 2006, a mulher desenvolveu uma doença oncológica que conseguiu superar. Mas em 2017 teve uma recaída e, a partir daí, o homem começou a ignorá-la, não lhe dando qualquer apoio no dia a dia e nos tratamentos.
O arguido ia todas as noites para o café e regressava quase sempre bêbado. Numa dessas saídas chegou cerca da uma hora, acordou a mulher e ordenou-lhe que cozinhasse um borrego que matara pouco antes. Ela recusou-se e ele empurrou-a para fora de casa. Ela resistiu e não saiu, mas passou a trancar-se no quarto. Algum tempo depois, o arguido exigiu-lhe as chaves da casa, agarrou-a, atirou-a para a cama e apertou-a até que ela lhas deu. Com medo, a mulher passou a dormir com uma tábua de passar a ferro a travar a porta do quarto.
Chegou a tentar suicídio
A situação terá chegado a tal ponto, que a mulher até tentou o suicídio, com uma overdose de comprimidos, mas acabou a pedir ajuda aos vizinhos. Ao saber do sucedido, o homem disse-lhe na cara: "Não prestas para nada; ao invés de chamares o teu marido, foste chamar aqueles parvos". Para o MP, aquelas palavras "demonstram um comportamento de ofensa verbal aviltante e rebaixadora da dignidade da assistente enquanto ser humano".
Apesar de ter dado todas estas situações como provadas, tanto o Tribunal de Grândola como o da Relação de Évora, através de um acórdão de 26 de janeiro, consideraram que as mesmas não justificavam a condenação por violência doméstica. "Não configura crime de violência doméstica toda e qualquer ofensa à integridade física, injúria ou ameaça, praticado por um cônjuge sobre o outro. Tais condutas só preenchem esse tipo de crime quando forem aptas para ofender a saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana", algo que, entendem, não se verificou neste caso.