É sábado, hora de recolhimento obrigatório, e Beatriz Ferreira e a mãe, Sofia Vilaça, estão sentadas à mesa da sala, com um estojo, um postal e folhas de papel por perto.
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Não preparam os enfeites para decorar o pinheiro já montado, mas escrevem antes uma carta de Natal para um recluso, depois de serem desafiadas pelo padre João Torres, de Priscos, em Braga, para participarem no "Correio da Esperança". O projeto, com seis anos, pretende levar "um pedaço de liberdade" para quem se encontra nos estabelecimentos prisionais de Braga e Guimarães, cerca de 160 pessoas.
Por serem naturais de Priscos, Beatriz e Sofia já estiveram de perto com alguns reclusos que trabalham no presépio ao vivo da freguesia. "Com a catequese, uma vez levámos um lanche para eles. Alguns dos meus colegas estavam com um bocadinho de medo, mas eu não tive medo. São pessoas normais, mas cometeram alguns erros e têm de pagar por isso", descreve a jovem de 12 anos, de caneta dourada na mão, já a pensar nas palavras de conforto que quer transmitir na carta da família.
Beatriz diz que não quer desejar, apenas, "um feliz Natal". "Eu penso que eles gostariam de perceber que as pessoas estão com eles e que era bom mudarem para saírem pessoas melhores. O Natal é esse tempo de recomeço", afirma, ao lado da mãe, ambas muito ligadas à paróquia de Priscos, através de catequese.
Sofia Vilaça concorda que a carta deve ter impacto em quem a lê. "Não quero escrever nada banal, mas dizer como estamos a viver cá fora, como estamos a lidar com esta pandemia, porque também nos sentimos privados de muitas coisas", sublinha a também professora de Físico-Química, confessando que espera resposta de quem a ler.
As cartas ou postais de Natal devem ser enviados para a morada da paróquia de Priscos (Casa do Abade de Priscos, Largo Pe. Artur Lopes dos Santos, 4705-562, Priscos-Braga). O padre João Torres, que vai fazer a entrega aos estabelecimentos, garante o anonimato da correspondência. "Quem identificar o nome ou a morada, nós substituímos por um código e, depois, o recluso pode responder para a pessoa com esse código", esclarece o pároco, adiantando que, até ao momento, já recebeu centenas de cartas, que chegaram de vários pontos do país e do estrangeiro, nomeadamente de França. Desde que o projeto começou, já foram distribuídas mais de 1200 mensagens.
Presépio ao vivo de Priscos cancelado
A freguesia de Priscos é conhecida pela inclusão de reclusos na construção do presépio ao vivo, que decorre junto à igreja, numa área com 30 mil metros quadrados, com cerca de 90 cenários. Este ano, justificou João Torres, "por ser impossível garantir o cumprimento das medidas preventivas e o distanciamento social entre cada cenário", o evento foi cancelado. Ao todo, costuma atrair entre 100 e 150 mil visitantes e envolver mais de 600 figurantes.
Padre João Torres
Responsável do projeto "Correio da Esperança"
"Escrever aos reclusos é um importante ato de solidariedade e assume um valor terapêutico autêntico, pois ajuda a quebrar o isolamento que existe na prisão. Não nos fixemos nos crimes que alguém cometeu".