Meia dúzia de "barões" ligados a cartéis internacionais de cocaína e heroína abastecem bairro do Porto e revenda.
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O Bairro da Pasteleira Nova é abastecido de droga por não mais de seis traficantes, de nacionalidade portuguesa e ligações a cartéis internacionais. Estes verdadeiros empresários do setor da importação/exportação chegam a ganhar mais de 50 mil euros por cada um dos muitos quilos de cocaína que ali introduzem. A quantidade e a qualidade são tantas que a Pasteleira Nova transformou-se num entreposto de revenda de heroína, mas sobretudo de cocaína, procurado por pequenos traficantes de todo o país.
"Estamos a falar de comércio. Todos pensam como um empresário, só que negoceiam um produto ilícito", descreve fonte ligada à investigação do narcotráfico.
A mesma fonte garante que, atualmente, são raras as redes criminosas que controlam toda a cadeia de importação e venda de droga. A opção é pela especialização de tarefas num mercado segmentado que, no Porto, é dominado por "cinco ou seis players". Todos portugueses, com contactos na América do Sul (no caso da cocaína) ou no Sudeste Asiático e África (para a heroína) e que compram a droga diretamente aos produtores.
Transporte contratado
Depois do negócio feito, cabe ao vendedor fazer chegar o produto estupefaciente à Invicta e, para isso, contrata uma rede especializada no transporte. As soluções que inventam para ludibriar as autoridades policiais são muitas, mas as mais usuais passam por esconder a droga em contentores de cargueiros que atracam em Leixões, Lisboa, Setúbal ou Sines, em malas que chegam no porão dos aviões aos aeroportos Humberto Delgado, em Lisboa, e Francisco Sá Carneiro, no Porto. A heroína entra no país, quase sempre, por rotas terrestres que atravessam Espanha.
De uma ou de outra forma, os fornecedores da Pasteleira Nova tentam, em cada compra, adquirir quantidades suficientes para responder às necessidades dos seus clientes, mas num número mínimo de quilos, para evitarem ser apanhados. "Adquirem entre cinco e dez quilos e, se a compra for feita na América do Sul, pagam menos de cinco mil euros por quilo", refere fonte policial.
Aumento exponencial
O mesmo quilo duplica de volume após ser misturado com substâncias de corte e é vendido aos líderes das seis "firmas" com bancas na Pasteleira Nova por entre 50 e 60 mil euros. Após "cozinharem" a droga (ler caixa), as bancas vendem cada dose de 0,1 gramas a cinco euros. "Mesmo a estes preços, na Pasteleira Nova a droga é mais barata e de melhor qualidade do que noutros locais. Por isso, mas também porque sabem que nunca falta, quase todos os consumidores vão comprar lá". No bairro portuense já foram detidos na posse de droga compradores oriundos de Vila Real, Bragança ou Viseu. E ainda de Leiria e até Portimão. Muitos são pequenos traficantes que têm na Pasteleira Nova o seu mercado abastecedor. Na terra natal vendem cada dose por quatro vezes mais. No fim de linha, após várias transformações e intermediários, os cinco mil euros gastos no quilo inicial de cocaína já renderam mais de 150 mil.
Era perto do Aleixo e havia droga
Rui é um dos toxicodependente que gravitam em torno da Pasteleira Nova. Começou a consumir drogas aos 19 anos e foi o serviço militar que o impediu de cair no abismo. Já o regresso a casa e, pouco depois, uma passagem de pouco mais de um ano pela cadeia revelaram-se fatais. "Foi na prisão que me tornei viciado em heroína e cocaína. Nunca me tinha injetado com droga até estar preso", conta.
Ao JN, Rui afirma que, de regresso à liberdade, passou a consumir no antigo Bairro do Aleixo. "Era capeador de uma das redes e recebia em droga. Trabalhava das seis horas da manhã às 23 horas e gastava mais de 100 euros por dia para me drogar", recorda. Com a demolição do Aleixo, Rui seguiu o exemplo de muitos dos seus companheiros de desgraça. "Vim para a Pasteleira Nova. Era perto e havia muita droga", justifica.
Hoje, com 51 anos, Rui assegura que já não se injeta com drogas. Continua, porém, a gastar os 320 euros da reforma de invalidez e o dinheiro angariado com a mendicidade e no parqueamento de carros com o vício. "Consumo cerca de oito doses diárias", descreve.
Se antes fumava a droga "ali no monte, aqui nesta viela e na tenda onde dormia", atualmente Rui usa a "sala de chuto" da Pasteleira Nova para alimentar o "diabo". "É um espetáculo e as pessoas são excelentes. Tratam-nos com todo o carinho e amor, não me sinto rejeitado, posto de parte", elogia.
Médicos e padres
A Pasteleira Nova também é procurada por consumidores muito diferentes de Rui. São pessoas de extratos sociais mais elevados que, embora viciados, ainda conseguem manter os seus empregos e vida social.
A PSP já deteve, à saída do bairro, médicos e padres. Todos na posse de droga, que garantiram não ser para consumo próprio. Entre a classe social mais alta há até quem contrate "mulas" para ir ao bairro comprar a droga e entregá-la ao domicílio. Pagam mais, mas correm menos riscos.
Não é o caso de "Ana". Aos 53 anos assegura que só se droga quando quer, mas é uma utilizadora regular da "sala de chuto".