Traficantes e consumidores fixaram-se no bairro após demolição do Aleixo. Ruas sem saída afastam Polícia.
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A Pasteleira Nova, no Porto, transformou-se, desde cedo, num bairro dominado pela delinquência, tráfico e consumo de droga devido a três razões: a demolição dos bairros do Aleixo e do São João de Deus, o realojamento de moradores sem planeamento e um modelo arquitetónico que impede ações policiais eficazes e facilita o crime. As justificações são avançadas por académicos, mas também pelos polícias que atuam naquele local.
O Bairro da Pasteleira Nova ficou concluído em 2000, depois de um investimento superior a 1,6 milhões de euros para dar casa a quase 900 pessoas. Mas pouco depois de um Nuno Cardoso em final de mandato como presidente da Câmara inaugurar o empreendimento, a violência nas ruas do bairro já era notícia no JN. "O vandalismo está péssimo. Não sei o que fazer. Esta semana andou lá um tiroteio", denunciava, em 2006, a moradora Maria Helena.
Ainda em 2006, perante casas saqueadas e janelas cimentadas para evitar a entrada dos toxicodependentes, a oposição na Autarquia criticava o que se passava na Pasteleira Nova. O então vereador socialista Manuel Pizarro, hoje ministro da Saúde, apontava o dedo à Câmara pela falta de acompanhamento social nos realojamentos efetuados.
E o igualmente vereador Rui Sá, da CDU, sinalizava dois problemas: a conceção dos espaços com ruas apertadas e o processo de realojamento. "Não há qualquer critério ou preocupação social", lamentava.
Demolir para vender terrenos
Com a demolição dos bairros do Aleixo e de São João de Deus tudo piorou. "Uma parte da população destes bairros foi posta no Cerco e na Pasteleira Nova. Estas operações não foram pensadas com cuidado", recorda, agora, o professor da Universidade do Porto, Luís Fernandes.
Com trabalho de campo em bairros sociais do Porto desde 1986, Luís Fernandes continua a contestar as demolições nas urbanizações onde o tráfico e consumo de droga faziam parte da rotina diária. "A droga foi um álibi para libertar terrenos. Houve uma pressão imobiliária predatória e a prova é que continua tudo na mesma", acusa.
O investigador de comportamentos desviantes da Faculdade de Psicologia censura, igualmente, a concentração dos moradores retirados do Aleixo e São João de Deus. "Mesmo respeitando a constituição dos agregados familiares, devia ter havido uma maior dispersão. Concentrou-se uma população pobre e desqualificada em vários sítios, incluindo na Pasteleira Nova", afirma.
Os toxicodependentes que gravitavam em torno do Aleixo e São João de Deus foram atrás da droga e de quem a vendia e também eles se fixaram na Pasteleira Nova. Até hoje.
Vielas estreitas e invisíveis
Luís Fernandes lembra que a arquitetura da Pasteleira Nova era "avançada" para a época, evitando a construção de torres de grandes dimensões, semelhantes às que existiam no Aleixo. No entanto, estas preocupações arquitetónicas, admite 23 anos depois, não resultaram.
A PSP tem a mesma opinião. "A arquitetura do bairro dificulta bastante as ações policiais", assume o comandante da esquadra do Porto dedicada à investigação criminal do tráfico de droga. O comissário Sousa Pereira explica que "as vielas extremamente exíguas" impedem as ações de vigilância e os poucos pontos de entrada no bairro permitem que a Polícia seja "facilmente detetada".
Tudo joga a favor dos traficantes de cocaína e heroína.