Tráfico de droga já esteve concentrado nos bairros da Sé, São João de Deus e Aleixo antes de chegar à Pasteleira.
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A "democratização" da droga, e a consequente diminuição do seu preço, trouxe, na década de 80 do século passado, o tráfico e consumo para o Porto. Desde então, a cocaína e a heroína tomaram à força vários locais da cidade e as medidas implementadas, longe de resolverem o problema, apenas forçaram a transferência do fenómeno para diferentes bairros. "Os toxicodependentes seguem os traficantes", resume Jorge Rocha.
Este dirigente da Arrimo - Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Social e Comunitário recorda que, pouco após a revolução de 25 de Abril, espaços como o Bairro da Sé, onde se situa a Rua Escura, ou o desaparecido Bairro da Mitra começaram a ser procurados por uma geração que se habitou a consumir estupefacientes de forma regular. "A droga sempre existiu, mas era muito cara e consumida apenas por intelectuais e artistas com poder económico. O regresso dos portugueses que viviam nas colónias trouxe para o país drogas como a liamba, mais baratas e acessíveis a quase todos", recorda.
Tudo piorou, no entanto, quando os traficantes em início de carreira se tornaram gananciosos. "A certa altura, para fidelizar os "clientes", deixaram de vender canábis para introduzir a heroína. A partir daí, começaram os problemas a sério", analisa. Altamente viciante e com efeitos desastrosos para o corpo e mente, a heroína esteve, já na década de 90, na origem do primeiro "supermercado" de droga no Norte de Portugal: o Bairro de São João de Deus.
"Era uma cópia do Casal Ventoso, em Lisboa. A venda era feita com sacos cheios de droga, em plena rua. Os consumidores que entravam no bairro raramente saíam. Ficavam por lá, a consumir em grupo", lembra Jorge Rocha.
Aleixo sem lei
O comandante da Divisão de Investigação Criminal do Porto da PSP, intendente Rui Mendes, confirma esses tempos difíceis. Aliás, refere, foi o intenso tráfico de droga registado no Bairro de São João de Deus que levou a que, em 1995, fosse delegada na PSP a primeira competência criminal. Através das recém-criadas Brigadas Anticrime, a Polícia investiu sem piedade no bairro, mas essa estratégia teve custos. "A partir de 1997/98, fruto da pressão policial, o tráfico de droga espalha-se pela cidade e passa a fazer-se, sobretudo, em bairros como o Cerco do Porto e o Lagarteiro", descreve.
Em 2008, com a demolição do bairro, o tráfico no São João de Deus foi extinto. Porém, um realojamento inadequado dos seus moradores criou um novo narcobairro. Até 2011, o Aleixo transformou-se num local sem lei, onde a Polícia só entrava no âmbito de grandes operações, que incluíam sempre a presença da sua Unidade Especial.
"A maioria da população do São João de Deus foi realojada no Aleixo. Já existiam ali alguns fenómenos de tráfico, que cresceram muito a partir dessa data. Os toxicodependentes seguiram os vendedores", repete Jorge Rocha.
"Paulatinamente, o tráfico concentrou-se no Aleixo e aí se manteve até 2015", frisa Rui Mendes. O remédio administrado para tratar o "cancro" do Aleixo foi o mesmo tentado no São João de Deus, mas, mais uma vez, não passou de um paliativo. A demolição das cinco torres, processo que se arrastou até 2019, só teve o efeito de transferir traficantes e consumidores para a Pasteleira Nova.
Hoje, este bairro continua a ser o epicentro do tráfico de droga numa cidade que nunca conseguiu livrar-se deste flagelo.
Relatório de análise
Consumo de heroína está a aumentar e assusta técnicos
Primeiro, foi a liamba/canábis. Seguiu-se a heroína. E depois consolidou-se a cocaína, sobretudo sob a forma barata e mais viciante do "crack". Todos estes tipos de drogas destruíram vidas, mas terá sido a heroína aquela que mais matou. Sobretudo nos bairros de São João de Deus e do Aleixo, este estupefaciente tornou mulheres e homens em farrapos humanos durante décadas e o estigma que se criou em seu redor fez diminuir o número de consumidores. Mas esta é uma precaução que está a desvanecer-se. O relatório que analisa os primeiros três meses de trabalho da sala de consumo vigiado, instalada na Pasteleira Nova, mostra que 51% dos 616 toxicodependentes que por lá passaram consumiram "speedball", uma mistura de heroína e cocaína, e 14% injetaram ou fumaram apenas heroína. Os técnicos não têm dúvidas de que o consumo de heroína está a aumentar e temem consequências iguais às verificadas no passado.