O presidente da Câmara Municipal de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, e a mulher, Elisa Rodrigues, foram, esta terça-feira, condenados pelo crime de peculato de uso por terem usado um carro elétrico da empresa municipal Águas de Gaia para fins particulares.
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Os dois arguidos terão de pagar uma multa de 8400 euros (120 dias de multa à taxa diária de 70 euros) e ainda 102,42 euros a título de perda de vantagem. A juíza declarou ainda a perda de mandato para o autarca.
Esta terça-feira, à saída da sala de audiências, a advogada Inês Magalhães, que também integra a defesa dos arguidos juntamente com Carlos Dias, não quis prestar declarações. No entanto, segundo apurou o JN, o autarca e a esposa vão recorrer para o Tribunal da Relação do Porto. Entretanto, em comunicado, Eduardo Vítor Rodrigues classificou a decisão como sendo de "uma total injustiça" contra a qual reagirá, "repondo a verdade".
Na leitura da sentença, proferida no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, a juíza Andreia Pinho deu como provado que Eduardo Vítor Rodrigues, apesar do pleno conhecimento de que o veículo estava locado à Águas de Gaia e que este tinha sido cedido à Casa da Presidência, cedeu à sua esposa a utilização do mesmo para que dele tirasse proveito particular e gratuito. Igualmente ficou provado que Elisa Rodrigues conduziu o veículo elétrico, usando-o nas suas deslocações de casa para o trabalho e do trabalho para casa e em deslocações pessoais e de lazer.
Para o Tribunal, os arguidos agiram "bem sabendo que beneficiavam da utilização de um bem custeado por todos os contribuintes". "Acresce que os arguidos são casados, residem juntos, não podendo Elisa Rodrigues deixar de saber que o veículo estava atribuído a Eduardo Rodrigues por força das funções públicas que exercia e que utilizava coisa afeta a serviço público para fins particulares", lembrou a juíza, recordando que a mulher do autarca já tinha sido condenada pela prática do crime de peculato, por se ter apropriado de dinheiro pertencente à Junta de Freguesia da Campanhã, enquanto aí exercia funções.
Apesar de o registo de imagens não ter servido para provar o peculato de uso praticado pelos dois arguidos, uma vez que este não é considerado um crime de catálogo, tal não invalidou as vigilâncias realizadas pela PJ, os relatórios que as descrevem e o depoimento dos inspetores: "Não se mostram assim os autos de diligência nem os depoimentos dos agentes da polícia contaminados pela invalidade dos registos fotográficos, desde logo, porque estes registos é que constituem o fruto das vigilâncias e não o contrário".
Durante o processo, recorde-se, a defesa dos dois arguidos pediu, por várias vezes, a nulidade desta prova por estar, alegava, "ferida de legalidade". Considerava o advogado Carlos Dias que o Ministério Público tinha promovido diligências "altamente limitadoras dos direitos da personalidade dos visados" sem que houvesse justificação para tal.
Além de enfatizar a “notória falta de rigor” da acusação e de falar em “extrapolações” e “fracos indícios”, o causídico sustentava também que havia uma “errada qualificação jurídica dos factos em causa”. Isto porque, para a defesa, se houvesse crime, seria o de peculato de uso, e não de peculato, como defendia inicialmente o Ministério Público.
O despacho do MP acusava os arguidos de usarem, “como se fosse seu”, o veículo elétrico adquirido em regime de locação financeira pela empresa municipal e de beneficiarem “indevidamente” de 4.916 euros, valor das oito rendas da locação do veículo - entre novembro de 2017 e junho de 2018 - que o MP pedia que Eduardo Vítor e Elisa fossem condenados a pagar solidariamente ao Estado, correspondente à "vantagem da atividade criminosa obtida" por ambos.
Apesar de ter manifestado vontade em "colaborar com a Justiça" e de ter garantido não ter dificuldade em falar no momento em que entendesse oportuno, o autarca socialista optou por ficar em silêncio durante o julgamento, tal como a esposa, no exercício de um direito que lhes assiste, tendo ambos comparecido apenas na primeira sessão. Os dois arguidos foram também, por pedido da defesa durante as alegações finais, dispensados de marcar presença, esta terça-feira, na leitura do acórdão.
No entanto, a 31 de outubro, à saída do Tribunal de Gaia, o também presidente da Área Metropolitana do Porto negou a utilização daquela viatura do município para fins pessoais, assegurando que apenas o fez no exercício das suas funções de presidente da Câmara. Disse que, "em vez de andar de Tesla ou de Mercedes, andava num Renault Zoe", "variadíssimas vezes", porque o veículo estava afeto à Presidência, mas rejeitou que, tanto ele como a mulher, o fizessem "a título pessoal".
O edil, que disse ainda que "mau marido" era aquele que dava uma "Zoe à mulher" ("Ou é uma esposa medíocre ou merecia alguma coisa mais do que um Zoe”), criticou também o facto de "uma carta anónima, em Portugal, ter peso de Estado", referindo-se à denúncia que, em 2017, ano de eleições autárquicas, originou o processo. “Felizmente que nós não temos pena de morte porque estes são os exemplos que mostram que a Justiça, na sua lógica de investigação, às vezes se precipita”, afirmou, na altura, aos jornalistas, em reação à acusação do Ministério Público.