Ministério Público também imputa crime a três técnicos da empresa que fazia obra para a Câmara da Póvoa de Lanhoso. Operário morreu soterrado numa vala com 1.6 metros de altura.
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Manuel Silva, de 55 anos, morreu soterrado, numa obra da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, em 17 de janeiro de 2019. Agora, o Ministério Público acusa o administrador da empresa construtora, juntamente com a técnica superior de higiene e segurança, o diretor de obra e o encarregado, do crime de violação das regras de segurança, com vítima mortal.
O administrador da CJR e da Perfil Enigmático, Rui Rodrigues, a técnica superior de Higiene e Segurança, Vânia Fernandes, o diretor de obra, Nuno Dinis, e o encarregado, Mário Pereira, estão acusados do crime de violação das regras de segurança, agravado por ter havido uma vítima mortal.
"Como consequência direta das omissões das regras de segurança por parte dos arguidos... ocorreu o acidente", lê-se na acusação, sobre Vânia Fernandes e Nuno Dinis. A investigação concluiu que, no dia da tragédia, "nenhum dos responsáveis estava no local" e que Mário Pereira "não supervisionou os trabalhos como estava obrigado".
Rapidez terá sido fatal
Já Rui Rodrigues "permitiu, no seu interesse", que os responsáveis pela empreitada deixassem que os trabalhos decorressem sem o cumprimento das normas de segurança regulamentares. Isto terá permitido que a frente de obra avançasse mais rapidamente, por forma a cumprir os prazos.
No dia do acidente, Manuel trabalhava, com Carlos Ribeiro, manobrador de retroescavadora, e José Pereira, servente, na colocação de tubagens de águas residuais, na freguesia de Campos. O falecido era funcionário da Perfil Enigmático e os outros dois da Cândido José Rodrigues (CJR). Apesar de não serem empregados da mesma entidade, Manuel seria o chefe de equipa, já que a Perfil Enigmático é uma subsidiária da CJR, ambas representadas no processo pelo mesmo administrador, Rui Rodrigues. No momento em que a terra deslizou, enterrando o trabalhador, os outros dois estavam um pouco afastados e acorreram em socorro. Embora não tenha morrido de imediato, Manuel viria a sucumbir, ali mesmo, vítima de "lesões traumáticas ao nível torácico, associadas ao soterramento".
Diretor deu alerta
A investigação concluiu que os procedimentos de segurança exigidos numa obra deste tipo não estariam a ser cumpridos. A vala, com cerca de 1,60 metros de profundidade, não estava entivada. A entivação é uma medida de segurança que consiste em revestir as paredes da vala com painéis, reforçados por estroncas, para evitar os desabamentos. E a equipa da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que esteve no local relatou que no local da obra só estava um painel de entivação, mas que não tinha as medidas adequadas nem apresentava sinais de ter sido usado. Esta conclusão da ACT é reforçada pelo testemunho de uma moradora que viu o painel junto à entrada da sua garagem, "sem nunca ser usado".
A meio da empreitada, o coordenador de segurança da obra, José Luís Fernandes, "verificou que as normas de segurança não se encontravam a ser cumpridas". E, numa visita ao local, "ordenou aos executantes que cessassem as obras", o que, porém, não sucedeu. De resto, José Luís Fernandes ainda foi constituído arguido, mas não chegou a ser acusado de crime nenhum.
Vítima
Manuel Silva
Idade: 55 anos
Lugar: Serafão, Fafe
Manuel Silva deixou mulher e duas filhas, uma com 26 anos e a outra ainda menor de idade, com nove anos. O homem residia no lugar de Serafão, no concelho de Fafe.
Outro crime
Arguidos também são acusados de falsificar o contrato de trabalho
Segundo o seu contrato de trabalho, Manuel Silva, a vítima mortal, foi admitido pela empresa Perfil Enigmático, em 1 de setembro de 2018 e por um período de seis meses, como motorista de pesados. Um aditamento ao contrato de Manuel Silva, com data de 2 de janeiro de 2019, alterou-lhe a categoria profissional, mas o Ministério Público acusa quatro arguidos - o administrador da empresa, Rui Rodrigues, a técnica de segurança Vânia Ferreira, o diretor de obra, Nuno Dinis, e o encarregado, Mário Pereira - de terem forjado aquele documento, falsificando a assinatura do trabalhador falecido, para assim justificarem a presença deste na vala onde morreu soterrado, em funções que não seriam as de motorista. No processo, a Autoridade para as Condições de Trabalho reporta um testemunho que sustentou que a vítima trabalharia na empresa há mais tempo do que indicava o contrato.
Saber mais
Afastar testemunhas
Segundo a acusação, dirigentes da construtora CJR terão tentado "retirar do local [do acidente] José Pereira e Carlos Ribeiro", trabalhadores que assistiram a tudo.
O que diz a regra
As valas com mais 1,20 metros devem ser entivadas e ter escadas de saída. A terra retirada deve ficar a 60 centímetros da vala. Estas medidas devem ser verificadas no início do dia, mas a técnica de segurança e o diretor de obra ainda não tinham ido ao local.
Construção perigosa
A ACT diz que o setor da construção concentra o maior número de sinistros mortais. Morreram nas obras 38 em 2019; 41 em 2020; e 49 em 2021. Este ano, de 25 acidentes de trabalho fatais, 12 aconteceram na construção.