Escutas usadas para investigar polícias acusados de comprar informadores com droga
O responsável máximo pela investigação que levou à detenção de três agentes da PSP e de um subcomissário contou, esta terça-feira, no Tribunal de São João Novo, no Porto, como atuavam estes polícias acusados pelo Ministério Público de terem cedido droga a toxicodependentes em troca de informações sobre traficantes dos bairros mais conotados com o tráfico na cidade do Porto.
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A prestar depoimento como testemunha da acusação, António A., polícia há 29 anos, começou por dizer que os arguidos integravam uma Brigada de Fiscalização Policial, cuja missão seria a inspeção de estabelecimentos comerciais. "Como é que se explica então que estes arguidos tenham feito tantas intervenções no âmbito da droga?", quis saber a juíza-presidente do coletivo Ana Castro Dias.
Em resposta, António A. esclareceu que, "em determinados momentos, tendo em conta o flagelo do Bairro da Pasteleira, foi indicado que, além de fazerem o serviço deles, passassem também [a atuar] nos bairros". Contudo, o chefe da PSP explicou que, a dada altura, começaram a surgir rumores, cada vez mais consistentes, acerca da atuação, ilícita, destes elementos policiais, o que levou à instauração de um inquérito.
António A. contou ainda que, no decorrer da investigação aos quatro polícias, destacou um agente para acompanhar as escutas ambientais e outro para as escutas telefónicas de que estavam ser alvo os arguidos, sem que houvesse, contudo, cruzamento de informação, para evitar contaminação da prova. "A seguir, eu determinava as vigilâncias na sequência das informações que recebia", afirmou, sublinhando também que o conteúdo dos autos de notícia/detenção, redigido pelos arguidos, não coincidia com o relato fidedigno dos factos.
O coordenador disse ainda que não participou em buscas, mas chamou a atenção para práticas irregulares detetadas: "Não é normal haver droga nos cacifos, nem de a reterem e só darem nota da sua entrega depois. Estamos proibidos, mesmo com quantias de dinheiro", destacou.
Durante a sessão, o procurador Rogério Osório questionou a testemunha se tinha conhecimento de eventuais dificuldades financeiras de que estivessem a padecer os arguidos. António A. disse que no caso de Sérgio P. este chegou a ter o fornecimento da água de casa cortado. Quanto aos restantes arguidos, Hugo S. e Ricardo S., o coordenador da investigação assegurou não existirem indícios de problemas económicos.
Vários crimes
A acusação sustenta que os polícias apoderavam-se de dinheiro proveniente do tráfico de droga e de produto estupefaciente para o cederem a terceiros, seus informadores, como contrapartida das informações prestadas por estes.
O Ministério Público refere ainda que os arguidos, além de não olharem a meios para garantir o "sucesso" da sua atuação (entrando em casas sem prévia autorização ou com autorização "viciada" dos residentes), não se coibiam igualmente de coagir e ameaçar os informadores se estes não correspondessem às suas exigências.
É também alegado que, apesar de os arguidos saberem que determinados indivíduos se dedicavam ao tráfico de droga e que estavam na posse de estupefacientes, optavam por não intercetá-los, apreender o respetivo produto ou detê-los em flagrante delito.
Apesar de estarem em prisão preventiva desde julho de 2023, os três agentes da PSP - assim como o subcomissário Ismael C., que está em liberdade - só começaram a ser julgados este mês, tendo o processo de inquérito sido declarado de especial complexidade. Respondem por crimes de denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário, peculato, abuso de poder, falsificação de documento, coação agravada, sequestro agravado, ofensa à integridade física qualificada, detenção de arma proibida e falsas declarações.