Lei obriga a criar canal seguro para denunciantes. Em alguns ministérios e organismos da Justiça, não existem ou carecem de confidencialidade.
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Oito meses depois de o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI) ter entrado em vigor, nem todas as entidades do Estado obrigadas por lei a ter pelo menos um canal de denúncia interna dispõem desta funcionalidade com as características exigidas. Nalguns casos, a ferramenta está ainda a ser operacionalizada. Noutros, estão a ser usados contactos gerais de correio postal e eletrónico para a receção das participações. A Justiça é uma das áreas em que os atrasos são mais evidentes.
O presidente da Transparência Internacional Portugal, Nuno Cunha Rolo, fala, ao JN, numa "mentalidade de fazer as coisas para não estar em falta", sem atender à sua "boa implementação" (ler texto ao lado).
Segundo a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, estão obrigadas a ter um canal de denúncia interna de atos contrários ao direito europeu - que garanta a confidencialidade da identidade do denunciante - as pessoas coletivas públicas e privadas com 50 ou mais trabalhadores, bem como a Presidência da República, a Assembleia da República, cada ministério ou área governativa, o Tribunal Constitucional, o Conselho Superior da Magistratura e o dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Tribunal de Contas e a Procuradoria-Geral da República.
Faltam testes e diploma
Deste último conjunto, só o Tribunal Constitucional e o Ministério dos Assuntos Parlamentares não responderam ao JN. Os restantes têm aplicado o RGPDI de forma heterogénea.
Na Justiça, o canal interno do Conselho Superior de Magistratura "está já criado", mas faltam os "testes de fiabilidade". Até serem concluídos, o órgão de gestão dos juízes dispõe "dos meios próprios e adequados para o tratamento e encaminhamento de eventuais denúncias internas". O dos Tribunais Administrativos e Fiscais garante igualmente que trata todas as denúncias que recebe por correio postal e eletrónico. Contudo, admite que não tem um canal conforme à lei, uma vez que "aguarda a publicação do diploma que consagra" a sua "autonomia administrativa e financeira [...], para poder dotar-se de uma estrutura de apoio que lhe permita operacionalizar o canal".
Já na Procuradoria-Geral da República e no Tribunal de Contas estão a ser usados canais anteriores ao RGPDI, simultaneamente utilizados para denúncias por entidades externas.
Na política, a Presidência da República refere que dispõe de um canal interno desde junho, enquanto o gabinete do secretário-geral da Assembleia da República frisa que há no Parlamento "três quiosques multimédia" que permitem "comunicar sugestões, reclamações/denúncias e elogios". Existe também o correio geral.
Partilha nos ministérios
No Governo, os ministérios da Presidência do Conselho de Ministros, da Coesão Territorial, e das Infraestruturas partilham, justificando-se com a orgânica do Executivo, o canal interno em funcionamento na secretaria-geral do primeiro. O da Cultura "já requereu" que seja criado um para a sua área também naquela secretaria-geral.
Os ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior dispõem, por sua vez, do canal de denúncia da secretaria-geral de Educação e Ciência.
As pastas dos Negócios Estrangeiros, Economia e Mar, Trabalho e Segurança Social, Administração Interna e Defesa Nacional têm canais próprios nas respetivas secretarias-gerais. Os dois últimos funcionam igualmente para denúncias externas.
Já o Ministério da Saúde alega que, por ter menos de 50 trabalhadores, a sua secretaria-geral não está obrigada a ter um canal de denúncia interna. A sua criação está, ainda assim, "em estudo", frisa a tutela, acrescentando que outros dos seus organismos já dispõem daquela ferramenta. Justiça e Finanças, cuja criação de canais próprios está em curso, lembram também que há entidades por si tuteladas que já têm aquela funcionalidade. Ambiente, Agricultura e Habitação estão igualmente a implementar os seus canais. O último ministério foi criado apenas a 4 de janeiro.