Ex-administrador do BES contraria acusação sobre alegado pacto entre Pinho e Salgado
O administrador do BES com o pelouro jurídico à data do alegado pacto entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho corroborou, em tribunal, que o acordo laboral que o ex-ministro invoca para provar a inexistência de subornos foi celebrado em 2004 e não, como alega o Ministério Público, dias antes da tomada de posse do Governo.
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"O Dr. Ricardo Salgado pediu para falar comigo e entregou-me uma nota manuscrita que consubstanciava o acordo a que tinham chegado quanto às funções que [Manuel Pinho] ia desempenhar", afirmou, ao testemunhar esta terça-feira no julgamento, em Lisboa, Rui Silveira, precisando que tal aconteceu em março de 2004.
Na altura, explicou, o economista tinha sido afastado da Comissão Executiva do Banco Espírito Santo (BES) e passaria a assumir "funções delegadas" no banco e um papel "mais vital" no Grupo Espírito Santo (GES), designadamente na Espírito Santo Financial Group (ESFG), a holding para a área financeira deste último, falido em 2014.
No acordo, foram definidas várias contrapartidas financeiras, incluindo uma remuneração anual de 360 mil euros líquidos e um prémio adicional de 1,5 milhões de euros. Ficou ainda estabelecido que estas componentes seriam suspensas caso Manuel Pinho exercesse um "cargo público". Em março de 2005, este último tomou posse como ministro da Economia, tendo permanecido no Governo durante quatro anos.
Transferências para offshore
Apesar daquela cláusula, o ex-ministro acabou por continuar a receber, entre 2005 e 2012, cerca de 15 mil euros mensais do GES, transferidos entre a Enterprises, o chamado "saco-azul" do grupo, e uma offshore no Panamá detida por Manuel Pinho. Em maio de 2005, foram igualmente transferidos cerca de 500 mil euros pelo mesmo canal.
O Ministério Público acredita que, em causa, estão parte das "luvas" pagas pelo então banqueiro Ricardo Salgado, acordadas em março de 2005, para que o BES/GES fosse beneficiado pelo Governo. O ex-ministro contrapõe que se trata de "prémios" em dívida, já estabelecidos no acordo de 2004, celebrado entre Manuel Pinho e a ESFG e não com o BES.
"O BES não podia assumir aqueles compromissos. O BES não tinha nada a ver com aquilo", sublinhou, esta terça-feira, Rui Silveira, adiantando que a remuneração definida "excedia" o que os administradores do banco "ganhavam à época". Tal, acrescentou, dever-se-ia ao facto de em causa estar também o exercício de funções no seio do GES.
Os montantes surpreenderam também o, à data, administrador com a área do marketing, Joaquim Goes, que disse só esta terça-feira ter ficado a conhecer os valores e que "não tinha conhecimento" de prémios pagos mensalmente e não de uma única vez.
Mais quadros pagos
A distinção entre as esferas do BES e do GES foi, de resto, destacada por ambos ao recordarem os pagamentes no estrangeiro a dirigentes e altos quadros do banco a dirigentes e altos quadros do banco. Reconhecendo que tal chegou a ser prática comum, Rui Silveira e Joaquim Goes salientaram que tal deixou de acontecer em 2005, mas, pressionados pela defesa de Manuel Pinho, acabaram por enumerar casos de pagamentos posteriores pelo GES.
Joaquim Goes identificou, em extratos com que foi confrontado, nove colaboradors do BES remunerados através do saco-azul do GES, em 2010 e 2011. "Se [então] tinha noção que havia este tipo de pagamentos? Não. Hoje sei que era uma prática que marcava bastante gente", afirmou.
O ex-administrador confirmou, ainda, que o ex-marido da juíza-adjunta do atual julgamento - do qual esta pediu na segunda-feira escusa, aguardando-se a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa - foi também pago da mesma forma quando exerceu funções numa empresa do GES a que o próprio Joaquim Goes presidiu. "Havia uma remuneração que existia já há vários anos. Pode ter acontecido que tenha sido acordada com o Dr. Ricardo Salgado ou outra pessoa. Quando exerci funções [nessa empresa] não veio ter comigo [para me dizer]", frisou.
Já Rui Silveira revelou, depois de ter reiterado várias vezes que não recebeu nada do BES no estrangeiro a partir de 2005, que recebeu "até 2010 ou 2011" uma "avença" por ter sido, desde 1981, advogado e assessor jurídico da família Espírito Santo e do GES. "Sabia e regularizei tudo. Paguei os impostos mais tarde", defendeu-se.
Vários crimes
Manuel Pinho, de 68 anos e em prisão domiciliária há cerca de dois anos, está acusado de corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal. Já Ricardo Salgado, de 79 e a aguardar o resultado de uma perícia independente ao diagnóstico de Alzheimer, responde por corrupção ativa e branqueamento. Em 2019, garantiu publicamente que "nunca" corrompeu "ninguém".
A mulher do ex-ministro, Alexandra Pinho, de 63 anos, é igualmente arguida no processo, por branqueamento e fraude fiscal, acusação que, tal como o marido, nega.
O julgamento prossegue na próxima segunda-feira, 30 de outubro de 2023, com a inquirição de mais testemunhas.