Entre 2010 e 2019, foram constituídos arguidos 1106 indivíduos por suspeitas de pertencer a organizações dedicadas ao crime, mas só 126 foram condenados em primeira instância.
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A esmagadora maioria dos indivíduos acusados do crime de associação criminosa acabam absolvidos pelos tribunais. Entre 2010 e 2019, das 1106 pessoas constituídas arguidas por suspeitas de pertencer a estruturas organizadas ao estilo das máfias italianas, exclusivamente destinadas a cometer crimes, somente 126 foram condenadas pelos tribunais de primeira instância. São apenas 11%.
São arguidos que, em bando, cometem uma multitude de crimes e até demonstram uma certa organização que lhes permite perpetuarem-se no tempo, com lucros ilegais. As polícias travam os grupos, o Ministério Público (MP) acusa-os, mas poucos são condenados em tribunal, porque a lei e a jurisprudência exigem uma série de requisitos muito difíceis de provar.
Quanto mais os criminosos estão organizados, mais cuidados e meios têm para tentar iludir as autoridades, mas, ainda assim, muitos dos acusados são condenados pelos crimes de tráfico, lenocínio ou roubo pelos quais foram investigados, mas acabam sem punição pelo crime de associação criminosa, que lhes podia valer um acréscimo de um a oito anos na pena de prisão.
acusar é fácil, provar não
Então como se explica a disparidade entre o número de acusados e o de condenados? Uma fonte policial, ouvida pelo JN, explica que os requisitos impostos pelos tribunal para condenação são mais exigentes do que os requisitos factuais da investigação.
"Em sede de inquérito, os indícios apontam para condutas de associação criminosa, mas, em sede de julgamento, muitas vezes [o tribunal] foca-se naquilo que é o mais fácil de provar. E são os crimes associados, como o tráfico de droga, essencialmente, mas também o de lenocínio, pelos quais os arguidos acabam punidos. A verdade é que, na prática, para haver uma condenação por associação criminosa, obriga-nos a fazer prova de que existe quase uma associação registada, à semelhança de empresas ou associações registadas", afirma a fonte policial.
Já para o advogado penalista Tiago Melo Alves, muitas vezes o MP acusa sem prova. "A norma parece ser sempre que exista um grupo organizado ou um planeamento elevado, o MP acusa por associação criminosa, quando os requisitos legais são muito superior a isso. A maior parte destes processos caem por via dos requisitos fundamentais, que são o sentimento comum de ligação e um processo de formação de vontade coletiva. Normalmente, os outros requisitos verificam-se, a organização e estabilidade...", comenta Melo Alves, para quem o simples facto dos arguidos demonstrarem em tribunal terem interesses próprios e não coletivos inviabiliza a por si só a sua condenação por associação criminosa.
Opinião semelhante tem outra fonte policial: "Tem sido muito difícil evidenciar haver uma vontade coletiva criminosa que se sobrepõe à vontade individual, apesar de se verificar uma estrutura, uma continuidade e também uma certa hierarquia no grupo".
Outros juristas, ouvidos pelo JN, têm defendido a revisão da lei para acabar com a disparidade entre acusados e condenados. Defendem que a lei deveria ser mais específica quanto à definição deste tipo de grupos para esclarecer em que casos e moldes o MP pode acusar pelo crime de associação criminosa.