
Utentes do Lar do Comércio tiveram de ser retirados das instalações onde se encontravam
Artur Machado / Global Imagens
Estão em causa os procedimentos perante a pandemia. Instituição diz que nem todos estão "em estado de guerra".
Cerca de uma dezena de familiares de utentes do Lar do Comércio, em Matosinhos, que morreram com covid-19 ou que, na sua perspetiva, foram lesados por atos de "negligência", juntaram-se para apresentar uma queixa-crime contra a instituição. Em causa estão casos de omissão sobre o estado de saúde dos idosos e falhas no acompanhamento e na assistência, entre outras situações.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou ao JN que está a decorrer um inquérito à atuação do Lar do Comércio durante a pandemia de covid-19, adiantando que o processo em investigação "está sujeito a segredo de justiça".
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"O que o lar fez foi completa negligência e abandono", afirma Patrícia Carvalho, 44 anos, neta de uma utente do lar que morreu vítima de covid-19. "Disseram sempre que estava tudo bem, e estive cerca de uma semana sem falar com a minha avó. Quando ela deu entrada no Hospital Pedro Hispano, já estava em estado muito grave", lamenta. Sem ter interesse em indemnizações, Patrícia quer ver o Lar do Comércio responsabilizado por todas as ações. "Não é pelo dinheiro, não vai trazer a minha avó de volta", insiste.
Queixas sem efeito
Também Manuela Almeida está neste grupo. "Já entregamos todas as procurações ao advogado e vamos avançar com os processos", revela. A mãe de Manuela não foi vítima da covid-19, mas, segundo a filha, tem sido alvo de sucessivos "maus-tratos" no sentido em que "não tem boas condições". "Estou em guerra com o lar há cinco anos. Já apresentei queixas na Segurança Social, na PGR, que chegou a ouvir a minha mãe, e na PSP, mas não resultaram em nada", diz.
José Soares decidiu avançar sozinho com uma queixa, mas esclareceu que esteve numa reunião com o grupo de "lesados profundamente revoltados e indignados com os procedimentos dos responsáveis pelo Lar do Comércio".
"Em março, deixei de conseguir falar com a minha mãe porque diziam que não tinham gente para passar o telefone. No dia 24 de abril enviaram-na para o Pedro Hispano já em situação catastrófica e no dia 25 faleceu", recorda José Soares, indignado com a "impunidade da instituição".
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"As queixas são diversas e até hoje ainda nada se resolveu", advoga José Soares, que desde o falecimento da mãe continua sem conseguir retirar do lar os seus pertences. Tal como ele, são várias os familiares nesta situação.
O Lar do Comércio esclareceu que as famílias não podem entrar no lar por causa do coronavírus, mas que "a pouco e pouco" estão a receber todos os pertences.
A história repete-se e as queixas são sempre de negligência, abandono e falta de comunicação. José Neves perdeu a sogra no dia 5 de março e desde esse dia não parou de lutar contra o Lar e já apresentou queixa no Ministério Público contra a instituição pela alegada prática de vários crimes bem como requereu a suspensão de funções dos órgãos sociais.
Novo caso suspeito
Ao JN, o Lar admitiu conhecer apenas um processo contra a instituição e que é "natural" que as famílias queiram fazê-lo, mas que "nem tudo é mau" e "nem todos estão em estado de guerra".
Os familiares não foram os únicos a tomar diligências. A Câmara de Matosinhos adianta que tomou as ações que "considerou necessárias e adequadas" e que por agora aguarda e acompanha o desenrolar do processo.
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Para já, o lar diz não ter mais casos ativos, a não ser uma utente que depois de dois testes negativos voltou a testar positivo. Informação confirmada pela Autoridade de Saúde Regional do Norte que diz que a situação era "anteriormente conhecida e considerada curada, de acordo com os critérios definidos pelas orientações técnicas, pelo que se encontra em estudo". A covid-19 infetou mais de 100 pessoas e matou 24 utentes no Lar do Comércio.
