Funcionários do Chimarrão aproveitaram debilidade do fundador para desviar milhões do grupo
A Polícia Judiciária (PJ) deteve três pessoas por se terem alegadamente aproveitado da "debilidade" do fundador do Chimarrão, então já idoso e desavindo com a família, para desviar do grupo património avaliado em pelo menos 30 milhões de euros. A denúncia foi feita pelos herdeiros de Cassiano Castro, falecido em 2022.
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A operação "Assinatura D'Ouro" começou na terça-feira e terminou esta quarta-feira, com a detenção adicional de um quarto suspeito, que atuaria como segurança dos restantes, adiantou, em conferência de imprensa, José Ribeiro, coordenador de investigação criminal da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da PJ.
Os detidos conseguiram obter total domínio da cadeia de restaurantes Chimarrão, controlando todo o sistema informático relacionado com a faturação, conseguindo tomar posse do património pessoal do fundador e das empresas do grupo.
Segundo José Ribeiro, dois dos suspeitos começaram a trabalhar no grupo em 2014, na área administrativa e de apoio informático. O terceiro iniciou funções mais tarde. A determinada altura, ter-se-ão apercebido de que Cassiano Castro e a mulher, Otília, estavam desavindos com a família, tornando-se próximos do casal de idosos e, na prática, seus cuidadores.
Terá sido a partir dessa altura que, aproveitando-se das "fragilidades emocionais" e "físicas" de Cassiano e Otília Castro, os detidos puseram em prática um esquema para se apropriar do património do casal. Para tal, precisou o coordenador de investigação criminal, terão chegado a falsificar assinaturas em contratos, de modo a ficarem com participações sociais nas várias empresas do grupo e passarem a ser proprietários dos bens.
Vários espaços emblemáticos
"Aproveitaram-se da situação de vulnerabilidade das vítimas, assumindo paulatinamente o controlo das empresas e transferindo para a sua esfera pessoal património avaliado em dezenas de milhões de euros, o que suscitou fortes suspeitas relativamente à licitude de vários negócios jurídicos", descreve a PJ, em comunicado.
Além dos restaurantes Chimarrão, os contratos terão abrangido, apurou o JN, vários espaços emblemáticos de Lisboa, como a Churrasqueira do Campo Grande, a pastelaria Mexicana, na Praça de Londres, e o Leão d'Ouro, na Baixa. Só este último representou um desvio de património de cerca de 12 milhões de euros.
Além de dinheiro e das participações societárias, os suspeitos ter-se-ão apropriado, segundo José Ribeiro, de imóveis urbanos e rurais, "viaturas de luxo de centenas de milhares de euros" e joias, entre outros artigos de luxo. Ao mesmo tempo, terão transferido quantias avultadas para contas bancárias abertas noutros países da União Europeia. Para já, a PJ não consegue, porém, precisar quando começou o esquema.
"Não podemos afirmar que a atividade criminosa se tenha iniciado em 2014. Não conseguimos definir o momento", afirmou, esta quarta-feira, o coordenador de investigação criminal da UNC3T, admitindo que, numa primeira fase, o casal de idosos tenha entregue aos suspeitos "algumas pequenas participações" nas empresas do grupo como recompensa pelo apoio prestado.
Ataque após falecimento
Terá sido já depois da morte de Cassiano Castro que, temendo perder "o controlo à distância de todo o parque informático do grupo", através do qual tinham uma "faturação paralela", os suspeitos acederam "remotamente" ao mesmo e o "sabotaram". O ataque aconteceu na mesma altura em que os herdeiros de Cassiano Castro se aperceberam que, afinal, o casal tinha menos património do que o esperado em seu nome.
O caso foi denunciado à UNC3T da PJ que, após várias diligências investigatórias, realizou, entre ontem e hoje, uma operação policial para cumprimento de 25 mandados de busca domiciliárias e não domiciliárias em Lisboa, Porto e Coimbra, detendo quatro pessoas. São todas portuguesas e têm idades entre os 25 e os 45 anos. Três deles são familiares entre si.
As buscas agora realizadas na operação “Assinatura d’Ouro” permitiram a recolha e apreensão de vária prova de natureza documental e digital, bem como a apreensão de imóveis, saldos bancários, participações societárias e viaturas de luxo.
Os detidos vão ser apresentados amanhã, quinta-feira, ao Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, para realização do primeiro interrogatório e aplicação das medidas de coação.
A investigação da no âmbito de um processo-crime que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, incide sobre a atuação concertada dos detidos, cujo objeto visa apurar a eventual prática de crimes de acesso ilegítimo, sabotagem informática, burla informática, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Chimarrão frisa ser vítima
À Lusa, o grupo Chimarrão confirmou ter sido o denunciante do esquema na faturação da empresa e garantiu ser vítima dos alegados crimes. "Os atuais proprietários, filhos e netos, bem como o Chimarrão foram os denunciantes dos crimes em investigação e são vítimas dos atos abusivos e da delapidação do património familiar, cuja extensão ainda está por apurar", refere, numa nota, a cadeia de restauração.
O grupo acrescenta que a investigação "foi destinada a apurar factos cometidos por terceiros, que se aproveitaram da fragilidade física e psíquica do anterior proprietário, já falecido, e da sua mulher doente, incapacitada e diagnosticada com Alzheimer desde 2014".