O general António França "Ndalu", que foi ministro no antigo regime angolano e chegou a jogar futebol no Sporting, na juventude, foi burlado em cerca de 110 mil euros por um grupo que conseguiu limpar a conta bancária do "General dos Generais", alcunha pela qual era conhecido, graças à cumplicidade de um funcionário do banco BIC (atual EuroBic) da Maia.
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O militar angolano não chegou a apresentar queixa, porque, meses depois, o banco repôs a quantia. O grupo, que burlou outros três cidadãos angolanos, foi desmantelado pela Polícia Judiciária em janeiro do ano passado e está a responder no Tribunal de Lisboa por crimes de burla qualificada, associação criminosa, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, violação de segredo agravado e acesso ilegítimo.
De acordo com a acusação do Ministério Público da Amadora, os sete homens e uma mulher, com idades entre 29 e 54 anos, todos de origem angolana, usavam passaportes falsos para se fazerem passar por empresários daquele país, com grande poder económico. Todas as informações bancárias das vítimas eram fornecidas pelo cúmplice, residente em Valongo e que geria uma agência do BIC, na Maia. O gerente foi suspenso em 2017 pelo próprio banco, que detetou as ilegalidades. Está em prisão domiciliária, enquanto que três dos seus cúmplices se encontram em prisão preventiva.
Quatro clientes atacados
Com o esquema, o grupo sacou cerca de 160 mil euros a três importantes clientes do BIC e a um do BPI. Todos eram considerados clientes VIP, mas França "Ndalu", conhecido como o "General dos Generais", será a mais importante vítima. Era tratado como prioritário pela Direção do Private Banking do BIC e chegou a ter como gestor de contas Nuno Ribeiro da Cunha, o bancário envolvido no caso "Luanda Leaks" com Isabel dos Santos (ver caixa).
Foi no dia 9 de dezembro de 2016 que um dos arguidos, munido de toda a informação bancária de França "Ndalu", incluindo a assinatura digital, e de um passaporte falsificado, entrou no BIC da Boavista, no Porto, onde levantou 2500 euros. Como o esquema funcionou bem, o elemento do grupo voltou três dias depois para levantar mais seis mil euros e fazer uma transferência de 48 800 euros para uma conta sob o seu controle. A vítima não deu conta do desfalque e, ao fim de nove dias, foram feitos mais um levantamento de seis mil euros e outra transferência de 48 800 euros.
Com o mesmo esquema, ao empresário angolano Arménio Lopes tentaram sacar 160 mil euros, mas o sistema bancário detetou a fraude e impediu a movimentação do dinheiro. Para além desta fraude, os arguidos também terão criado falsas identidades para poderem abrir contas bancárias e assim receberem em Portugal dezenas de milhares de euros de transferências fraudulentas, provenientes, essencialmente, de França.
Perfil
António dos Santos França, 81 anos, militar e ex-membro do Governo angolano
Foi Ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, seu conselheiro especial e até, em determinada altura, considerado o seu número dois. Mais recentemente, foi membro do Conselho de Administração da De Beers Angola, uma empresa ligada à industria dos diamantes, de 2005 a 2010. Mas foi pela sua faceta militar que "Ndalu" ficou conhecido. É apelidado "General dos Generais", em homenagem ao seu carísma e influência. Em Portugal, onde estudou, foi jogador do Sporting entre 1958 e 1960.
Banco
Gestor de Isabel dos Santos tratava das contas do militar
Nuno Ribeiro da Cunha, que se suicidou no final de janeiro, era diretor do EuroBic e gestor de conta de Isabel dos Santos, empresária sob suspeita de desvios multimilionários em África. Foi também gestor da contas do general António dos Santos França "Ndalu". De acordo com informações recolhidas pelo JN, o general era um dos clientes VIP do banco e tinha um descoberto autorizado de centenas de milhares de euros.
Pormenores
47.500 euros foram desviados apenas da conta da empresária Berta Faria Montalvão, através de um levantamento e de uma transferência bancária.
Bancos assumiram
O esquema causou graves prejuízos aos bancos, que tiveram de reembolsar os clientes lesados pelo grupo criminoso. Todos foram ressarcidos dos valores em falta.
Juntas enganadas
Para abrir contas bancárias, o grupo precisava de atestados de residência e para os obter enganava juntas de freguesia na Amadora, com falsos documentos.