A defesa de um gestor do Banco Privée Espírito Santo, na Suíça, acusado de há mais de uma década ter enganado um empresário que acabaria por perder 21 milhões de euros com o colapso do BES/GES, em 2014, garantiu esta terça-feira, em tribunal, que o seu cliente "não ludibriou" o antigo cliente daquela instituição.
Corpo do artigo
O caso está a ser apreciado no âmbito do processo principal da queda do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES), cuja acusação foi proferida em julho de 2020. Na altura, o Ministério Público ilibou o bancário, mas o arquivamento foi contestado, em fase de instrução, pelo lesado.
O empresário, da área de distribuição de eletrodomésticos, alega que, apesar de querer apenas colocar o seu dinheiro em depósitos a prazo - menos rentáveis mas, acreditaria, cobertos pelos Estados em caso de insolvência de instituições bancárias - foi ludibriado a investir em instrumentos financeiros de uma sociedade do GES.
"Se uma pessoa é rigorosa, deve saber o que a lei diz. E a lei o que diz é que os titulares de depósitos a prazo teriam no máximo direito a 100 mil euros. Era isto que poderia colocar em Portugal ou na Suíça, a jurisdição que escolheu. Foi ele que disse que queria investir na Suíça. Não é o Bill Gates [fundador da Microsoft], não é [o futebolista] Cristiano Ronaldo, é alguém que enriqueceu muito rapidamente. É concebível que uma pessoa destas ponha 25 milhões de euros na Suíça e não saiba o que diz a lei suíça?", sustentou Pedro Jordão, advogado do arguido, no quinto e último dia do debate instrutório, em Lisboa.
16323044
O causídico acrescentou que, pela legislação helvética, o investimento que ex-cliente do Banco Privée Espírito Santo fez é um depósito a prazo. E sublinhou que "não foi feita uma única prova" de que o suspeito "tivesse conhecimento da situação" deficitárias das sociedades em causa.
"É absurdo pensar que um gestor de conta de um banco na Suíça sabia aquilo que o Ministério Público diz que só poucas pessoas sabiam. E é absurdo pensar que o sabia em 2010", salientou Pedro Jordão, pugnando para que se mantenha o arquivamento por burla qualificada.
Ricardo Salgado entre os arguidos
Entre os atuais 25 arguidos do processo principal da queda do BES/GES, cinco tinham sido ilibados pelo Ministério Público, mas foram automaticamente constituídos arguidos depois de os ofendidos terem contestado a decisão. Os restantes, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado, de 78 anos, foram então acusados de centenas de crimes económico-financeiros, tentando agora, na instrução, evitar a ida a julgamento.
Para o Ministério Público, os arguidos, todos ligados ao BES/GES, terão transformado o grupo, em benefício pessoal, num castelo de cartas sustentado por operações fraudulentas e subornos, causando prejuízos de 11,8 mil milhões de euros. Em causa estão, entre outros ilícitos, associação criminosa, corrupção ativa e passiva no setor privado e burla qualificada.
16321925
Os atos são negados pelos arguidos, que não compareceram no debate instrutório. Durante os cinco dias que este durou, os seus advogados invocaram ainda questões jurídicas para fazer cair a acusação.
O juiz Pedro Correia, do Tribunal Central de Instrução Criminal, agendou a leitura da decisão instrutória para 14 de julho de 2023. O magistrado alertou, porém, que não tem ainda a certeza de que conseguirá concluir o documento até lá, o que poderá levar ao adiamento da diligência.
A audiência decorrerá, tal como foi o caso do debate instrutório, no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, devido ao elevado número de advogados e arguidos. O espaço é usado apenas ocasionalmente, tendo as suas condições sido, esta terça-feira, criticadas por Ricardo Sá Fernandes, mandatário do empresário lesado.