Governo acena com novo suplemento aos oficiais de justiça, mas não trava greves
O Governo entregou esta segunda-feira aos sindicatos uma proposta de revisão do Estatuto dos Oficiais de Justiça que prevê que o atual suplemento de recuperação processual seja substituído por um novo suplemento de disponibilidade, traduzido num aumento mensal de pelo menos 86 euros. Para já, as greves mantêm-se.
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“O suplemento de disponibilidade permanente visa um objetivo: compensar o dever de disponibilidade que os oficiais de justiça têm relativamente àquilo que é um horário normal de secretaria. Até agora, são consideradas horas extraordinárias, mas que não são pagas”, sublinhou, após ter reunido com o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) e o Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ) no Ministério da Justiça, em Lisboa, o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves Costa.
Os trabalhadores pretendiam que o suplemento de recuperação processual passe a ser pago a 14 meses e integrado no vencimento.
“Continua sem dar resposta a algo que é fundamental: o não pagamento do trabalho extraordinário”, reagiu, aos jornalistas, o presidente do SFJ, António Marçal, dando o exemplo dos tribunais de instrução criminal, onde os funcionários chegam a trabalhar mais sete horas além da jornada diária legal.
Segundo um resumo da proposta disponibilizado pelo Ministério da Justiça à Comunicação Social, "com o pagamento do suplemento de disponibilidade de 20% a 12 meses, os oficiais de justiça em funções terão um aumento na sua remuneração anual entre 1121,69 e 3768,69 euros, conforme a posição".
"Trata-se de uma valorização superior à reclamada pelos sindicatos, que reivindicam valorizações salariais anuais entre os 862,84 e os 2898,99 euros com a integração do suplemento de recuperação processual a 14 meses", assegura a tutela.
Na prática, acrescenta o ministério liderado por Catarina Sarmento e Castro, nos 12 meses em que haverá lugar ao pagamento do novo suplemento de disponibilidade imediata, os atuais oficiais de justiça passarão a receber entre 1035,41 e 3478,79 euros, "ou seja, entre mais 86,29 e 289,90 euros do que recebem atualmente nos meses com suplemento de recuperação processual".
Divisão de carreiras desagrada
A proposta de revisão do Estatuto dos Oficiais de Justiça prevê ainda que, para uma "maior especialização", passem a existir duas carreiras distintas na profissão: a de técnico superior de justiça, para funcionários com uma licenciatura em Direito, Solicitadoria ou Técnico Superior de Justiça, e a de técnico de justiça. A divisão já tinha sido proposta, em 2021, pela anterior ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e rejeitada pelos sindicatos.
"Em termos estruturais, este documento já vem do passado", lamentou, à saída do Ministério da Justiça, o presidente do SOJ, Carlos Almeida, lembrando que, quando entraram na profissão, os funcionários judiciais "tinham uma expectativa de atingir o topo".
"Os oficiais de justiça podem não atingir, e seguramente que não vão atingir todos, mas têm todos de ter as possibilidades de atingir [o topo da carreira]. Estarmos, a meio do processo a criar situações de divisão não nos parece sério e dissemos isso mesmo à senhora ministra da Justiça [Catarina Sarmento e Castro]", salientou. Para o seu homólogo do SFJ, "a cisão da carreira" é uma questão também "não ultrapassável".
Na prática, existirá, segundo o documento disponibilizado pela tutela à Comunicação Social, uma diferença de cerca de 420 euros mensais na remuneração base entre quem inicia a carreira de técnico de justiça (964,92) e de técnico superior de justiça (1385,99). Nesse caso, salário com o suplemento de disponibilidade será, respetivamente, de 1157 e 1663 euros.
Funcionários similares a assessores
Com a distinção de carreiras, admitiu o secretário de Estado, os técnicos superiores de justiça - com uma nova função de pesquisar legislação e jurisprudência necessárias à preparação das intervenções dos procuradores e às decisões dos juízes - estarão "mais próximos de alguém que assessora o juiz ou o magistrado do Ministério Público".
Apesar de o objetivo ser "libertar" juízes e procuradores de "funções burocráticas que hoje ainda têm de fazer", a medida gerou, em 2021, dúvidas de inconstitucionalidade.
"Se nós alterarmos o processo penal, o processo civil, dizendo que determinado ato que hoje é praticado por um juiz ou magistrado do Ministério Público passa a poder ser praticado pelo técnico superior de justiça, não estou a ver onde está a inconstitucionalidade", salientou Jorge Alves Costa, adiantando que é intenção do Governo "voltar a olhar para as regras" processuais.
No total, a proposta, que implicará ainda uma "valorização, em média, de 5% a 8% na remuneração base", representa um investimento adicional de 20 milhões de euros por ano.
Aberto a negociar
Certo é que, garantiu o governante, a proposta de revisão será agora objeto de negociações com os representantes dos trabalhadores. "Não há ainda decisões fechadas sobre nenhuma das matérias", assegurou Jorge Alves Costa.
À saída da reunião, António Marçal admitiu que o SFJ poderá fazer um "compasso de espera, um compasso de boa fé negocial" nas greves agendadas até ao 31 de dezembro de 2023. "Veremos se existe ou não existe espaço para que existam melhorias substanciais no documento", salientou o presidente da organização sindical.
Já o presidente do SOJ lembrou que a revisão do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aguardada por estes profissionais desde 1999, não consta das reivindicações do sindicato que lidera, relacionadas com promoções na carreira, o ingresso de novos profissionais, e o pagamento de recuperação processual a 14 meses e integrado no vencimento. "Não há nada para que a greve não se mantenha", concluiu.
Para já, mantêm-se, assim, todas as paralisações agendadas, incluindo para amanhã, quarta-feira.