Homicida está há sete dias a monte. Já fugiu ou então já se matou, diz o povo em Lalim
Mulher morta pelo ex-marido com oito tiros foi a enterrar. Testemunha diz ao JN: "Não vou ficar nada bem".
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Os gritos das irmãs da mulher morta, excruciantes e contínuos, varam a igreja e ecoam para fora, dissolvidos no ar do pátio onde duas centenas de pessoas assistem ao funeral. O local é no alto da vila de Lalim, concelho de Lamego, distrito de Viseu, e o corpo da mulher sai agora para o cemitério com o cortejo lento de gente em miseração.
"Não a leveis! Deixai-a aqui! Eu quero vê-la mais uma vez! Levai-a antes para a casinha dela! Ai minha irmã! Ai meu deus! Porquê? Porquê?" - e uma das quatro irmãs de Ana Maria Melo, a mulher que na sexta-feira foi friamente assassinada cara a cara pelo ex-marido com oito tiros, a irmã, lívida como cera, vai sustida por duas raparigas que a consolam e tremem com ela.
Foi ontem o funeral de Ana Maria, 56 anos. O caixão foi fechado - não foi só pelas regras da pandemia do coronavírus; Ana Maria foi baleada oito vezes na cara - e um retrato dela repousa no altar do padre Agostinho, que chamou à mártir "um pilar do templo de Cristo que há de ressuscitar".
A mãe idosa da vítima não assistiu às exéquias da despedida, está em estado de choque, fortemente medicada, e o filho mais velho de Ana Maria também não - o seu pai homicida, Henrique Carvalho, de 63 anos, que continua a monte, há sete dias a fugir, lançou sobre ele uma intimação mortal: não perdoará ao filho ter tomado o partido da mãe após a separação, em janeiro, e disse que também o quer matar. A Polícia colocou-o sob proteção especial (ler ao lado). O caso terá envolvido anteriormente violência doméstica do pai para com a mãe.
Testemunha não vai recuperar
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"Fisicamente hei de recuperar. Mas psicologicamente não. Foi tudo muito mau. Não vou ficar nada bem. E agora peço desculpa, mas não vou dizer mais nada", confessou ao JN Alexandra Carvalho, 37 anos, vizinha e amiga da vitima que mora no centro de casas rústicas de Lalim. Compreensivelmente abalada, não foi ao funeral.
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Alexandra é a única testemunha do crime do dia 14 e também ela levou um tiro, de raspão, quando tentava impedir o homicida de continuar a disparar. Eram 8.30 da manhã, faz hoje sete dias, e a mulher seguia, como fazia diariamente, com Ana Maria pela Rua do Carvalhal adentro, já depois de passar a Calçada da Revolta e a ponte românica, numa zona florestal de pinheiros e grandes sobreiros, em direção à fábrica de Fumeiros Porfírio para outro dia de trabalho. Terá sido num repente que viram saltar à sua frente Henrique Carvalho, com uma pistola na mão. O assassino, que estava emboscado numa zona de sombra, à espera entre os matos altos, terá disparado logo enquanto injuriava a ex-mulher.
Alexandra nem teve hipótese de fugir, assistiu a tudo à queima-roupa, paralisada de terror. Após os primeiros disparos, e quando o matador já recarregava a arma, teria tentado evitar que ele continuasse a disparar, segurando-lhe um braço. Mas o assassino retomou e atingiu uma perna de Alexandra ao de leve. Ela revelou depois o último gesto hediondo do criminoso: atirou para cima do corpo de Ana Maria morta um saco de papéis que mais tarde se soube serem papéis do divórcio que recusava assinar.
Fugiu ou já se matou?
Henrique Carvalho está desaparecido há sete dias, alegadamente anda a monte e tem driblado o cerco policial de dezenas de agentes da PJ, GNR e Proteção Civil que andam nas serras circundantes com binóculos e drones e cães pisteiros que sabem farejar odor no ar. Mas sete dias depois, a autoridade nada conseguiu. Ou já se matou e está aí num ermo, diz o povo na aldeia, ou já está longe, em Espanha, talvez.
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"A aldeia está tomada pelo choque e pelo medo, mas também por uma espécie de excitação mórbida de gente que não mora aqui", diz ao JN Bruno Carneiro, presidente da Junta de Lalim. E conta uma coisa do mau caráter do homicida: "Há tempos ele exigiu que o filho Alexandre lhe devolvesse um trompete, o filho é músico na nossa filarmónica, e o que é que ele fez ao instrumento? Destruiu-o todo, ficou partido, amassado, aos bocados".
Também o patrão de Ana Maria, Manuel Porfírio, dono do fumeiro onde ela trabalhava, que conhece o infame desde a infância, conta um episódio: "Há meses, veio pedir-me para despedir a mulher. Fiquei atónito. Mas porquê? Ela é boa funcionária. "É para ela ficar mal e voltar a precisar de mim", disse-me ele com toda a lata. Chamei-lhe maluco, virei costas e nada fiz".
Filho e família sob proteção da Polícia
Alexandre Carvalho, que no dia 12 festejou 34 anos e no dia 14 de manhã soube que o pai matara a mãe com oito tiros à queima-roupa, está a viver temporariamente numa casa segura em local incógnito de Lamego. A habitação estará sempre vigiada, pelo menos por dois militares da GNR, apurou o JN. O homem, casado e com uma filha de um ano, foi retirado com a família da sua casa no centro de Lalim, aldeia de Lamego com 700 habitantes, porque o pai homicida ameaça também matá-lo, conforme terá confessado num telefonema logo após o crime. A polícia está a levar a ameaça a sério e providenciou uma casa resguardada onde a família de Alexandre dorme desde o crime.
Alexandre trabalha na mesma fábrica da mãe, a Fumeiros Porfírio, o maior empregador da região, mas há seis dias que não se apresenta na empresa, a conselho da polícia. "Está naturalmente com medo", disse ao JN um amigo da família, que pediu para não ser identificado. "Além disso, está a viver o terrível trauma de ter perdido a mãe num crime violento e tão macabro", disse o familiar, acrescentando que o homem "está emocionalmente muito abalado, talvez ainda nem tenha caído na real - não imaginamos o que isto é: a mãe morta, o pai a monte, a fugir, e aquela ameaça de que também ele pode morrer".