Fronteiras fechadas não impediram Bianchi, ex-líder do Gangue de Valbom, e rainha do tráfico “Dini de Braga” de importar toneladas quando preços atingiam valores recordes.
Corpo do artigo
Em apenas quatro meses, entre março e junho de 2020, quando a população estava confinada em casa devido à pandemia da covid-19, o ex-líder do extinto Gangue de Valbom, Hélder Bianchi, e Eldini Araújo, uma histórica do tráfico conhecida como “Dini de Braga”, importaram toneladas de cocaína e haxixe, diretamente da Colômbia e de Marrocos. É essa a convicção do Ministério Público (MP) do Porto, que acusou 12 arguidos de tráfico internacional. Só a Bianchi, atualmente a cumprir uma pena de prisão, e Dini, em liberdade, as autoridades exigem mais de um milhão de euros.
A investigação que viria a expor o “cartel” de Bianchi e Dini começou em janeiro de 2020, quando a PJ do Porto recebeu informações sobre uma organização criminosa, composta por portugueses, espanhóis e marroquinos, que preparavam a importação de uma grande quantidade de haxixe.
As vigilâncias das autoridades permitiram localizar Bianchi e Dini, assim como vários cúmplices, a receber 745 quilos de haxixe, nas imediações da Quarteira, em julho de 2020. Organizaram um “go fast” – a viatura carregada de droga viaja com o apoio de outros carros que, indo à sua frente, antecipam operações policiais ou ataques de organizações concorrentes. Os fardos de haxixe foram carregados num Audi SQ5, furtado em Braga e conduzido por um braço-direito de Bianchi. O operacional pôs em prática várias medidas de contravigilância para verificar se era seguido e apercebeu-se da presença de inspetores. Levou o carro para uma estrada de terra batida, onde escondeu os fardos na vegetação, antes de tentar fugir. Acabou por embater num carro da PJ.
A droga foi apreendida e no Audi os inspetores encontraram uma impressão digital de Bianchi, que já tinha fugido, mas viria a ser detido em Braga, em novembro de 2021. Saiu em liberdade mediante uma caução de 80 mil euros, todavia, nas várias operações levadas a cabo, a PJ conseguiu ter acesso aos telemóveis especiais utilizados pela rede.
Telefone para criminosos
Eram do sistema Encrochat, uma rede totalmente encriptada que não permitia qualquer rastreabilidade por parte das autoridades. Cada telemóvel custava mil euros e uma assinatura semestral tinha um valor de 1500 euros. Esta operadora, essencialmente utilizada por criminosos em todo o Mundo, já foi encerrada, após uma investigação francesa, que conseguiu desencriptar as comunicações e expor inúmeros traficantes.
O acesso às mensagens de Bianchi e Didi acabou por revelar alguns segredos deste grupo criminoso. Permitiu, por exemplo, estabelecer que o ex-líder do Gangue de Valbom tinha, segundo o MP, organizado a importação e distribuição, em abril de 2020, de 200 quilos de cocaína, comprada em Bogotá, na Colômbia. Milhares de mensagens com fotos de grandes quantidades de droga e de dinheiro ficaram nas mãos dos investigadores. A cocaína que seria comprada por cerca de 6 mil dólares em Bogotá era revendida por 27 ou 29 mil euros o quilo em Portugal, numa altura em que a covid fez disparar os preços. O acesso às mensagens também permitiu expor importações de cocaína por via aérea ou escondida em mercadoria lícita, como produtos congelados.
Do lado de Didi, o desbloqueio do Ecrochat permitiu a descoberta da importação de milhares de quilos de haxixe, diretamente de Marrocos.
Condenação
Cumpre dois anos e meio de prisão
Hélder Bianchi está a cumprir dois anos e meio de prisão aplicados por simples crimes de dano e resistência e coação sobre funcionário, cometido em 2018, em Valongo. Tendo em conta os seus antecedentes, a pena não foi suspensa. O arguido foi detido em dezembro do ano passado, em Gondomar, numa operação em que Bianchi tentou resistir e foi baleado, sem gravidade, por um inspetor. No mesmo dia, tinha sido absolvido pelo Tribunal de Viana do Castelo dos crimes de sequestro e agressões. Semanas antes, também fora ilibado de um assalto a um ourives de Penafiel, num julgamento em que, tal como em Viana, nunca compareceu, alegando trabalhar no estrangeiro.
Pormenores
“Rivaracing”
No sistema Encrochat, Hélder Bianchi tinha a alcunha de “Rivaracing”. Já Didi era conhecida como “Comercial”.
Contas e bens
Só para Bianchi, a investigação aponta um património incongruente de 816 mil euros, valor calculado entre os bens que detinha e os rendimentos declarados.
Droga nas moelas
A investigação detetou uma importação de 49 quilos de cocaína escondida num camião de moelas importadas do Brasil, sem estabelecer quem seriam os destinatários.