Foi sem a "prudência exigível" que oito antigos administradores e diretores financeiros da Metro do Porto, Metropolitano de Lisboa, Carris e CP celebraram com a banca dezenas de swaps que se revelaram ruinosos para as contas públicas.
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Mas a investigação sobre tais contratos terminou agora sem que nenhum dos gestores fosse acusado de administração danosa, porque foi sem intenção - ou dolo, no jargão jurídico - que causaram o dano às empresas públicas, concluiu o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
O escândalo dos swaps justificou a demissão de três secretários de Estado do Governo de Passos Coelho e, ainda em 2013, levou aquele departamento do Ministério Público a abrir um inquérito para apurar se houve crime nas operações de contratação dos swaps, "profundamente desequilibradas quanto à repartição dos riscos entre as entidades públicas e as instituições financeiras".
Três mil milhões de euros
Os magistrados Carlos Casimiro Nunes e João Paulo Centeno constataram que os swaps, contratados na década passada, foram "extremamente onerosos" para o Estado português". E isso quando a sua suposta "finalidade" era, "precisamente, minimizar os riscos", observam os procuradores, por os swaps surgirem associados a contratos de crédito, para protegerem as empresas públicas de eventuais subidas das taxas de juro.
Um relatório da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (conhecida pela sigla IGCP), de junho de 2012, dizia que as transações daqueles derivados financeiros tinham valor de mercado negativo superior a três mil milhões de euros.
Normas legais violadas
A investigação centrou-se no papel dos diretores financeiros e dos presidentes dos conselhos de administração das empresas dos metros do Porto e de Lisboa, da CP e da Carris (também da capital).
No despacho de arquivamento, admite-se que os prejuízos podem ter resultado da violação das regras a que estão sujeitos os gestores públicos. Os magistrados observam que "mesmo o tipo de contrato derivado escolhido (v.g. snowball, callable, switchable, algorithmic strategy, steepener, synthetic cross currency, digital, swaption, quanto range accrual, volatility, etc.) revela quase sempre uma complexidade que não parece compaginável com a prudência exigível".
Juros inimagináveis
Apesar das considerações negativas sobre os gestores, os magistrados também acolheram o argumento invocado por alguns deles - em meras inquirições, pois não chegaram a ser constituídos arguidos - segundo o qual não era "sequer imaginável", à data da aquisição dos swaps, que as taxas de juro viessem a evoluir para níveis próximos dos 0%.
Para se verificar o crime de gestão danosa, era necessário que a violação das normas de gestão racional fosse intencional. Os magistrados concluem que tal não ficou demonstrado na investigação realizada com a PJ, nos últimos seis anos.
PORMENORES
Fatura milionária
As empresas públicas tinham de pagar 1,26 mil milhões de euros se, em finais de 2012, os bancos encerrassem os contratos de swaps que tinham cláusulas de vencimento antecipado e de qualidade de rating, contabiliza o Ministério Público.
Sem indício de burla
O Ministério Público também concluiu pela inexistência de qualquer crime de burla qualificada, porque os bancos, antes dos contratos, não terão prestado informações inexatas nem esconderam outras sobre os swaps, justificou.
Garcia Pereira adivinhou arquivamento
O advogado António Garcia Pereira, que apresentou uma denúncia que deu origem ao inquérito dos swaps e constituiu-se assistente, conta que escreveu, em requerimentos, que "o inquérito era para terminar com arquivamento, atendendo à forma como o Ministério Público se estava a comportar". Num daqueles requerimentos, dirigido ao juiz de instrução, adivinhou que o arquivamento seria justificado com argumentos "de que se trata de produtos e de contratação jurídico-financeira de alta complexidade que os "pobres" dos gestores não conheciam bem", ou "de que não se logrou provar o dolo". Garcia Pereira teve de recorrer à Relação de Lisboa para se tornar assistente, uma vez que os procuradores e o juiz de instrução titulares lhe tinham negado esse estatuto. Mas diz que, após aquela vitória, viu-se impedido de aceder aos autos e exercer o seu papel durante anos, por força da prorrogação do segredo de justiça. "O MP não gosta de ser fiscalizado por ninguém, habituou-se a ser um Estado dentro do Estado", protesta, ao JN.