Chamava ao filho autista “burro”, “atrasado mental”, “merdinha” ou “lorpa”, o que deixava o menor envergonhado. E, por razões insignificantes, exaltava-se com ele, berrando-lhe e dando-lhe estalos que lhe causaram dores e hematomas.
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Numa destas cenas, que se repetiram ao longo de sete anos, o pai atirou uma bota à cabeça do filho, por este ter o quarto desarrumado. Noutra, desfez uma girafa de peluche de que ele gostava muito. Por estes factos, ocorridos entre os oito e os 15 anos da vítima, o pai, inspetor da Autoridade Tributária e Aduaneira desde 2011, foi condenado pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia a uma pena de de prisão de dois anos, mas suspensa, e ao pagamento de uma indemnização de 1500 euros ao ofendido, pelo crime de violência doméstica.
O arguido recorreu da decisão, escudando-se no dever de correção para justificar as agressões físicas e verbais ao ofendido. Referiu que só tinha estas atitudes por causa das más companhias do filho e admitiu que, quando este tirava más notas, dizia-lhe que ia ser “burro para o resto da vida”.
“Falta de proporcionalidade”
No entanto, recentemente, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação. No acórdão, a que o JN teve acesso, os juízes Pedro M. Menezes, Donas Botto e Maria do Rosário Martins começam por dizer que o comportamento do pai “ultrapassa claramente, em muito, aquilo que, nos nossos dias, se tem por socialmente (e, portanto, também juridicamente) aceitável”, não se mostrando justificado pelo “direito de correção que lhe pudesse assistir no quadro das responsabilidades parentais que lhe cabe exercer.”
Para os desembargadores, de resto, não há “qualquer razão” que legitime “o recurso regular ao castigo físico e ao uso de linguagem humilhante”. Sobre as expressões que o pai dirigia ao filho, os juízes argumentam também que não têm “nenhum conteúdo pedagógico ou educativo útil”.
“Por outro lado, também não se vê que sentido pode fazer, do ponto de vista educativo, a destruição de um brinquedo que um jovem afetado por uma condição do espetro do autismo especialmente prefere”, acrescentaram, sublinhando que “falta uma relação de proporcionalidade” entre aquela conduta e as “possíveis razões que tenha tido para atuar do modo como atuou”.
Quanto à agressão com uma bota, a Relação do Porto recorda que “o uso de objetos faz com que o castigo perca a natureza de medida educativa para se converter num mau trato ofensivo da dignidade da criança”.
Mulher também foi vítima
No mesmo processo, o arguido também foi condenado a pagar uma multa de 1170 euros por ofensas à integridade física simples e injúria contra à agora ex-mulher, mãe dos dois filhos. O Ministério Público acusava-o, no entanto, de violência doméstica.
Tribunal invocou caso idêncico
Na sentença de primeira instância, o Tribunal de Vila Nova de Gaia cita o caso semelhante de um casal que foi condenado por “exceder” o seu poder/dever de educação-correção quando usou um cinto para bater no filho de 11 anos, porque este fumava e encobria os maus resultados escolares.