O Tribunal Central Criminal de Lisboa condenou, esta quinta-feira, a 10 e 16 anos de prisão dois irmãos iraquianos que, concluíram os juízes, aderiram ao Estado Islâmico no seu país, de onde saíram em março de 2016.
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Os arguidos, em Portugal desde março de 2017, foram detidos pela Polícia Judiciária em Lisboa em setembro de 2021 e estão desde então em prisão preventiva na cadeia de alta segurança de Monsanto, onde irão permanecer.
A pena mais pesada coube a Ammar Ameen, de 36 anos, considerado culpado de um crime de adesão à organização terrorista e pelo menos um crime de guerra contra as pessoas, estes últimos por ter, segundo o tribunal, sequestrado da loja e entregado para ser chicoteado, em frente a uma mesquita, um comerciante que não fechara o seu estabelecimento para a oração do pôr-do-sol. Os atos terão sido praticados na cidade iraquiana de Mossul, ao serviço da Al Hisbah, a polícia religiosa do Estado Islâmico.
O arguido foi ainda considerado culpado de, em 2019, ter ameaçado que se suicidaria e mataria outras pessoas no Gabinete de Asilo e Refugiados do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em Lisboa.
Já o irmão mais novo – Yaser Ameen, de 34 anos – foi punido com 10 anos de cadeia exclusivamente por ter, alegadamente, pertencido ao Estado Islâmico.
Sem "laivo de contrição"
“[Os arguidos] têm a perfeita noção do que é o Estado Islâmico”, frisou, na leitura do acórdão, a presidente do coletivo de juízes, criticando o facto de nenhum ter mostrado, no julgamento, "um laivo de contrição". "Não estamos a julgar religiões ou credos. Estamos a julgar pessoas que fizeram mal a outras pessoas", acrescentou a magistrada.
Os arguidos estavam ainda acusados, respetivamente, de mais sete e oito crimes de guerra por uma outra situação, que, no entender do tribunal, ficou por provar no julgamento que tenha tido a participação de qualquer um dos irmãos. A decisão dos juízes baseou-se, sobretudo, no testemunho de vítimas e familiares destas inquiridos anteriormente, para memória futura, a partir do Iraque.
A defesa dos arguidos vai recorrer do acórdão (sentença proferida por tribunal coletivo), que determina ainda a expulsão dos irmãos de Portugal, cumpridos dois terços da pena. A presidente do coletivo de juízes apelou, ainda assim, aos advogados dos irmãos Ameen que, se nessa altura, estes correrem risco de vida por terem de retornar ao Iraque, que recorram aos tribunais superiores para tentar impedir a extradição.
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Molduras penais elevadas
A presidente do coletivo de juízes reconheceu que as molduras penais dos crimes em causa em Portugal são elevadas, quando comparadas com as aplicadas noutros países europeus, onde há arguidos a cumprir penas mais curtas por atos mais graves. Em Portugal, o crime de adesão a organização terrorista é punido com pena de oito a 15 anos de prisão e o de crimes de guerra contra a pessoas com 10 a 25 anos de cadeia. Até esta quinta-feira, nunca ninguém tinha sido condenado pela justiça portuguesa por crimes de guerra.
Colaboração das Nações Unidas
A investigação no Iraque, iniciada após um alerta da Polícia Judiciária, esteve a cargo de uma unidade das Nações Unidas. "Não há qualquer razão para que um tribunal, e muito menos euzinha, desconfie de que esta investigação não tinha um caráter sério", sublinhou a magistrada. Em Portugal, os irmão entraram no radar das autoridades em setembro de 2017, cerca de meio ano depois de terem entrado em Portugal ao abrigo de um programa de recolocação de refugiados.
Leitura do acórdão em português
Apesar da presença na sala de audiência de uma intérprete de árabe, a leitura do acórdão decorreu sem que esta necessitasse de traduzir em simultâneo o conteúdo da decisão. Os irmãos compreendem e falam português e o mais novo trabalhava, quando foi detido, num restaurante em Lisboa que chegou a ser visitado pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao lado de quem foi fotografado. A decisão escrita será, ainda assim e como obriga a lei, traduzida para a sua língua materna.