Férias de verão na Costa Rica terão permitido preparar a mudança. Ex-líder do BPP aproveitou cascata de recursos para se manter em liberdade.
Corpo do artigo
O sistema judicial permite e João Rendeiro aproveitou. Condenado a um total de 19 anos de prisão em três processos, mas apenas sujeito a termo de identidade e residência, o fundador do antigo Banco Privado Português (BPP) explorou durante anos as possibilidades de recurso que o sistema oferece e, malsucedido e na iminência de ir preso, fugiu. Ao que o JN apurou, foi do Reino Unido, onde estava com autorização judicial, para o Belize, pequeno território da América Central que é um paraíso fiscal e é, sobretudo, um país sem acordo de extradição com Portugal.
14173724
Rendeiro teve meses para planear a sua fuga e o mais provável é que os mandados de captura internacionais, passados ontem pela Justiça portuguesa, nunca venham a ser cumpridos.
Condenado em 2018 a cinco anos e oito meses de cadeia, por ter omitido a real situação financeira do BPP, entre 2002 e 2008, Rendeiro recorreu e reclamou sucessivamente, sem que as medidas de coação fossem alteradas. Manteve o seu passaporte e a liberdade de movimentos, apesar de não ter filhos em Portugal e de gozar de enorme capacidade financeira. Para a justiça, não havia perigo de fuga.
Para esta avaliação dos magistrados terá contribuído o respeito de Rendeiro pelas regras. Enquanto recorria, o arguido apresentava-se em tribunal sempre que solicitado e, quando não o fazia, fazia chegar justificação.
"Premeditou a fuga"
Entretanto, o processo da pena de cinco anos e oito meses chegou ao Tribunal Constitucional, que rejeitou as reclamações do arguido. A malha apertava-se. E os advogados do BPP e dois ex-dirigentes da Transparência e Integridade, João Paulo Batalha e Paulo Morais, alertaram para o perigo de fuga.
"Teve cerca de dez anos para premeditar a fuga. Não há dúvidas que planeou e teve o tempo que quis para fugir, para transferir dinheiro o dinheiro necessário para o estrangeiro e encontrar casa. Tem dinheiro para isso e teve possibilidade de viajar. Até fez um comunicado sobre a sua fuga", comentou, ao JN, João Paulo Batalha, referindo-se à mensagem que Rendeiro publicou no seu blogue, confirmando que não tencionava voltar a Portugal.
A mensagem, sabe o JN, foi publicada a partir de Belmopã, capital do Belize, que não tem acordo de cooperação judiciária com Portugal.
Primeiro na Costa Rica
O processo da sentença de cinco anos e oito meses transitou em julgado na semana passada e, tal como obriga a lei, tinha de descer do Tribunal Constitucional até à primeira instância, para haver ordem de prisão. Mas, entretanto, Rendeiro estava notificado para comparecer no tribunal, esta sexta-feira, dia 1, no processo em que foi sentenciado numa pena de dez anos, para revisão das medidas de coação. Corria o risco de ficar em prisão preventiva e jogou pelo seguro, fugindo de Inglaterra para o Belize.
Esta viagem terá sido preparada ao pormenor, pois, entre 15 de julho e 21 de agosto, João Rendeiro tinha viajado para a Costa Rica. Na ocasião, informou disso o tribunal e deu como morada o consulado português local. De lá, regressou a Portugal e foi para o Reino Unido, sempre sem oposição do sistema judicial.
Da falência ao tribunal
Novembro 2008
O BPP pede um aval ao Estado de 750 milhões de euros. O pedido foi recusado e o banco acabou dissolvido em 2010.
Outubro 2018
João Rendeiro, ex-presidente do banco, é condenado pelo Tribunal de Lisboa a cinco anos de pena suspensa, por ter omitido, durante anos, a real situação do BPP.
Julho 2020
O Tribunal da Relação de Lisboa acrescenta oito meses à pena e torna-a a efetiva. O ex-banqueiro recorre para o Supremo Tribunal de Justiça e, após perder, para o Tribunal Constitucional.
14 maio 2021
João Rendeiro é condenado, por outro coletivo do Tribunal de Lisboa, a mais dez anos de prisão, por ter desviado 13,6 milhões de euros do BPP para a esfera pessoal. Não comparece na leitura do acórdão e a sua defesa recorre da decisão.
17 setembro 2021
A Procuradoria-Geral da República confirma que a primeira condenação transitou em julgado. Nessa altura, já o antigo banqueiro comunicara nos vários processos que estaria no Reino Unido até 30 de setembro.
28 setembro 2021
Rendeiro é condenado, por um terceiro coletivo, a três anos e meio de cadeia, por ter burlado um embaixador. É notificado, no âmbito do processo de maio, para se apresentar a 1 de outubro, para eventual alteração da medida de coação. À noite, justifica a sua fuga no seu blogue.