Ameaçado por grupos de extrema-direita, Jonathan Ferreira vive com polícia à porta. Não consegue arranjar emprego e tem filha de 14 meses para criar.
Corpo do artigo
"Já me tentaram atropelar, ameaçaram a minha filha e a minha mulher, fizeram-me esperas com 10 indivíduos. Já me tentaram matar mais vezes do que a conta". Jonathan Ferreira, 30 anos, aguentou tudo em nome da "revolução" antifascista desde que, aos 16 anos, decidiu entrar na guerra aos grupos de extrema-direita, ainda na Suíça, em casa dos pais emigrados. Nada o fez recuar até 11 de agosto passado, dia em que foi incluído num pacote de mensagens de ódio e ameaças de um grupo de extrema-direita que também visou sindicalistas, deputados e ativistas antirracismo. Na primeira vez na vida em que o Estado o protegeu ficou com a vida desfeita e teve de se render, pelo menos por enquanto, para proteger a filha de 14 meses e a mulher.
Forçado a mudar de cidade, Jonathan vive sob proteção policial, não consegue arranjar emprego. A mulher também não. "Demorei duas semanas a receber proteção policial; eles receberam ao fim de 24 horas. Estou desempregado. Não vi nenhum deputado a perder o emprego, devido ao mediatismo ou à proteção policial", protesta, ao JN.
Deixou luta política
Jonathan deixou de ser dirigente da Frente Unitária Antifascista (FUA) e diz que está afastado da luta política, mas o cabelo rapado e as palavras "Red Skins" (cabeças rapadas vermelhos) tatuadas letra a letra nos nós dos dedos não lhe permitem passar despercebido. Simbolizam quase metade da sua vida. A educação do pai, ex-militante do PCP, o subúrbio onde vivia na Suíça, a sua condição de emigrante e uma permanente indignação com o Mundo foram os ingredientes do caldo que influenciaram Jonathan a comprometer-se com a luta política radical, era ainda adolescente.
A deceção gerada pelos partidos tradicionais da esquerda Suíça foi o toque final. "Os partidos dizem que as coisas se fazem com calma. Pouco a pouco. E pouco a pouco, tudo fica na mesma. Eu sempre quis uma revolução, sou contra este sistema capitalista."
A violência da vida política na Suíça acompanhou-o quando regressou a Portugal em 2016, com 26 anos. Os Hammer Skin suíços avisaram a filial lusa. Estava marcado. "Eles já estavam à minha espera. Já sabiam quem eu era quando cheguei a Portugal", diz Jonathan. Nada que o impedisse de estar na criação da FUA "contra o fascismo e contra todas as organizações de extrema-direita", e para defender as minorias étnicas e sociais, segundo o manifesto.
A violência das rixas com membros dos Hammer Skin e Escudo Identitário crescia de confronto para confronto, de socos para navalhadas e ameaças de morte escritas em paredes de Braga, onde morava. "Nunca pensei que isto fosse escalar tanto. Nunca pensei que precisasse de ter polícia à porta", lamenta Jonathan.
Visado com deputadas
Atualmente, o seu nome aparece em seis processos de violência investigados pela PJ, envolvendo os Hammer Skin e o Escudo Identitário. Mas foram as ameaças por email no início de agosto, assinadas pelo conglomerado de grupos de extrema-direita e neonazis designada "Nova Ordem de Avis - Resistência Nacional", que mudaram tudo.
Desta vez, também visavam as deputadas Mariana Mortágua e Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, e a deputada Joacine Katar Moreira, o que motivou uma resposta por parte das autoridades. Jonathan teve, assim, uma atenção de que nunca antes beneficiara.
"Estamos em prisão domiciliária. A nossa privacidade não existe, temos de comunicar à polícia qualquer saída, qualquer visita e tudo com o respetivo horário. Tenho a vida controlada", queixa-se.
Ganhar a vida também não está fácil para Jonathan, que é serralheiro. "Estou desempregado, tive de mudar de cidade e agora, com o meu nome em todo o lado, não encontro emprego. A minha mulher também ficou desempregada. A patroa do café despediu-a com medo de represálias. Estamos a viver com a ajuda de familiares. Ainda nem conseguimos matricular a menina na creche", desabafa.