Jornalista escreveu que "Carrilho é um asco" e agora vai pagar-lhe 25 mil euros
Supremo Tribunal de Justiça condena ex-diretora-adjunta dos jornais "i" e "Sol" por ter usado "terminologia menos própria" e imputado facto "erróneo"a ex-ministro da Cultura em dois artigos de opinião.
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu vitória, esta semana, ao ex-ministro Manuel Maria Carrilho, num processo cível movido contra a jornalista Ana Sá Lopes, por dois artigos de opinião que esta assinara, em 2017, quando era diretora-adjunta dos jornais "i" e "Sol".
"Manuel Maria Carrilho é um asco" e "Carrilho, um homem capaz de vender o próprio filho" são os títulos dos artigos que levaram o STJ, na última quarta-feira, a confirmar o acórdão da Relação de Lisboa que condenara a jornalista a indemnizar o ex-ministro da Cultura em 25 mil euros, mais juros.
Os artigos foram publicados no contexto de um conflito que Carrilho e a sua ex-mulher, a apresentadora de televisão Bárbara Guimarães, protagonizaram nos tribunais e na praça pública, por causa de um processo de violência doméstica e da disputa de responsabilidades parentais sobre os filhos.
Em resposta a recurso de Ana Sá Lopes, o STJ sustenta que os seus artigos constituíram "ofensas que são aptas a ser consideradas como violação do bom nome e da honra" e que justificam a indemnização de Carrilho, por danos não patrimoniais, no montante fixado pela Relação.
Os juízes conselheiros Fátima Gomes (relatora do acórdão), Acácio Neves e Fernando Samões também dizem que ambos os artigos "se encontram em igualdade de circunstâncias", mas fazem-lhes críticas distintas.
No caso do artigo "Carrilho é um asco", o STJ acusa a jornalista de utilizar "uma terminologia menos própria que, numa visão objetiva, deve ter-se por ofensiva". Reportando-se a um depoimento de Carrilho no seu julgamento por violência doméstica, a articulista escrevera que ele tinha ido "vomitar em tribunal" o que já transmitira às "revistas sociais", num exercício de "violência psicológica" contra a ex-mulher e os filhos.
"Quanto ao segundo escrito, a situação é ainda mais delicada", comparam os juízes. Em "Carrilho, um homem capaz de vender o filho", há "um certo conteúdo supostamente "informativo", mas que se veio a revelar erróneo no que respeita à veracidade da informação veiculada", assinalam os juízes.
Aquele artigo faz um trocadilho com a expressão que, "para qualificar alguém capaz dos atos mais sórdidos, oportunistas, reles e imorais", diz que a pessoa é capaz de "vender a mãe". "Carrilho não vende a mãe, mas vende o filho", escreveu a jornalista, acusando ex-político de ter feito isso "ao oferecer à revista TV Guia uma carta terrível que, a partir do seu computador - isso vem escrito no artigo -, Dinis Maria, uma criança, escreve à mãe", a manifestar o desejo de viver com pai.
O problema, segundo o STJ, é que aquela carta não terá sido entregue à TV Guia por Carrilho. No número em que deu notícia da carta de Dinis Maria, a revista revelou, na própria capa, que consultara o processo judicial ao qual a missiva tinha sido junta. Por isso, o Supremo entende que Ana Sá Lopes "não podia razoavelmente ignorar" que a carta não tinha sido entregue à TV Guia pelo pai do menor.
Carrilho queria 100 mil euros
Carrilho começara por pedir 100 mil euros, a pagar por Ana Sá Lopes, pelo diretor do "i" e do "Sol", Mário Ramires, e pela empresa proprietária, Newsplex, S.A.. Em primeira instância, os dois últimos foram absolvidos e a então diretora-adjunta foi condenada a pagar uma indemnização de 16 mil euros, que, após recurso desta ré e de Carrilho, a Relação de Lisboa elevaria para 25 mil, ainda assim com um desembargador a declarar que o primeiro valor era mais justo.
Ana Sá Lopes recorreu então para o Supremo, invocando o carácter de figura pública de Carrilho, o seu passado, a sensível problemática da violência doméstica e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) sobre a liberdade de expressão.
À conta desta jurisprudência, o Estado português já foi condenado, desde o ano 2000, em cerca de duas dezenas de processos, a maioria dos quais opondo jornalistas a políticos, por os tribunais nacionais terem dado prevalência a direitos individuais, como a honra e o bom nome, em prejuízo da liberdade de expressão e do direito à informação.
Mas, apesar de tudo, a jurisprudência do tribunal sedeado em Estrasburgo (França), afirmando o primado da liberdade de expressão enquanto valor essencial das democracias, vem influenciando os tribunais portugueses. E, no seu acórdão desta semana, o STJ não deixa de assinalar aquela evolução, reconhecendo que, "nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa", importa fazer "um balanceamento concreto" entre ambos os valores (e não "em abstrato", como era costume, para privilegiar o "bom nome" ou a "honra" acima de tudo).
Todavia, num "juízo de prognose" sobre como o TEDH apreciara o caso Carrilho versus Sá Lopes, o Supremo acaba por considerar "muito provável" que aquele tribunal concluísse que a jornalista tinha extravasado "os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação".
Contactada pelo JN, Ana Sá Lopes não quis prestar declarações.