Jovens são surpreendidas com divulgação de fotografias suas em grupos públicos, prática que se agudizou com o confinamento. Advogado do Porto prepara ação conjunta contra plataformas.
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Com o mundo fechado em casa, a partilha na Internet de imagens pornográficas ou eróticas privadas multiplicou-se e ganhou espaço em grupos virtuais de redes como o WhatsApp ou o Telegram, que potenciam o assédio e a "pornografia de vingança". As vítimas, que sofreram muitas vezes em silêncio por medo e vergonha, ganham agora coragem para denunciar o ataque e querem recorrer à Justiça.
Pelas mãos de uma amiga em aflição, o caso deste grupo de mulheres chegou a Miguel Vieira na forma de um pedido de ajuda, para tentar uma ação coletiva, que tenha mais força do que as individuais que já algumas apresentaram. O advogado na PMC, em Matosinhos, não hesitou em avançar e deu início à recolha de depoimentos para uma futura queixa conjunta.
"Devassa da vida privada é, mas também há uma série de crimes associados", como os insultos e ameaças a que muitas jovens são sujeitas. O advogado acredita que o grande desafio será descobrir a quem imputar o crime. "Cometem os atos de cara tapada e reagrupam-se sempre que surge algum problema". A alternativa passa por responsabilizar o próprio grupo ou os canais de difusão. "Se as pessoas quiserem, é possível", remata.
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APAV confirma aumento
"Antes do confinamento, nunca nos tínhamos deparado com tamanha quantidade de grupos dedicados à partilha destes conteúdos", afirma Ricardo Estrela, responsável pela Linha Internet Segura da APAV. "De facto, é algo que já existia mas agudizou com a pandemia". Estima-se um aumento de 100% em processos de atendimento e denúncia face ao ano anterior, devendo crescer até fevereiro de 2021, quando os dados oficiais forem lançados. Um dos constrangimentos sentidos pela unidade prende-se com as queixas feitas por denunciantes masculinos, que tomam o lugar das vítimas. "São pessoas que navegam na web e deparam-se com esses grupos".
Plataformas relutantes
As páginas, muitas delas "pouco cooperantes", acabam por ter "muita má-fé" perante o pedido de remoção das imagens por parte de alguém que não a própria lesada, chegando a emitir juízos de valor.
O diretor da Unidade de Combate ao Cibercrime da Polícia Judiciária (PJ) assume que a identificação dos elementos dos grupos por trás dos perfis "é uma dificuldade acrescida, mas não é impossível" com as devidas provas digitais. Todavia, Carlos Cabreiro salienta a necessidade da desconfiança e da perceção dos perigos, sublinhando que os cuidados da vítima também devem partir de uma atuação preventiva em situações de envios deliberados para outra pessoa.
"Evitem ceder a solicitações de terceiros", sugere. "Tem de haver consciência que, uma vez expostos na Internet, este tipo de conteúdos pode levar tempo a ser removido", afirma o diretor.
Milhares contra a propagação da "pornografia de vingança"
Numa era marcada pelo surgimento de diversos movimentos feministas, o "Não Partilhes" nasce este ano, a 23 de outubro, através de um grupo de mulheres com o intuito de sensibilizar e apoiar vítimas da divulgação de conteúdos não autorizados. A página de Instagram já conta com mais de 22 mil seguidores e tem vindo a conquistar os utilizadores do Twitter. Figuras públicas como a cantora Bárbara Bandeira e o humorista Diogo Faro apadrinharam a causa.
"A verdade é que não existem instituições em Portugal que apoiem especificamente estes casos", alerta Inês Marinho, uma das criadoras da iniciativa. "São muitas mulheres e é necessário formar algo mais concreto", não desvalorizando o trabalho de organizações como a APAV, Plano I e UMAR.
Paralelamente, a jovem aponta a "vergonha" como um obstáculo que está longe de desaparecer. "Ninguém quer dizer o que se passou, preferem ficar anónimos e esse estigma tem de ser quebrado", defende. "A pessoa que divulga é que tem de se envergonhar".