Núria Silva, Margarida Fernandes e Inês Marinho foram vítimas de vingança sexual na Internet.
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Núria Silva foi intercetada na rua após a divulgação de vídeos íntimos
Núria Silva mantinha um relacionamento não assumido com um rapaz há cerca de dois anos, quando, em outubro de 2019, a sua privacidade foi tragicamente destapada. Passaram-se 13 penosos meses, marcados pelo silêncio e pela vergonha, mas para Núria é tempo de ser a própria a dar o seu testemunho.
"Acordei e vi que tinha imensas mensagens e pedidos para seguir no Instagram", recorda a jovem de 22 anos. "Quando os meus amigos me avisaram, percebi que eram conteúdos íntimos". Não teve tempo de agir. "Numa semana, toda a gente soube", inclusive a própria família.
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Para além dos primos, também o pai recebeu uma mensagem suspeita. "Pedi-lhe para não mexer mais naquilo e o assunto morreu", diz. Já a mãe desconhece a situação, ao contrário da avó, com quem partilhou o período conturbado.
"Insultos, chantagens e vídeos de homens a masturbarem-se" era o teor das mensagens que recebia diariamente. O cenário agravou-se quando foi intercetada por um homem que desconhecia, numa ida ao supermercado.
"Parecia ter uns 30 anos e estava bastante bêbado", conta. "Agarrou-me pelo braço e disse que me conhecia, que eu era a miúda do vídeo". Com um movimento brusco, Núria conseguiu escapar.
Têm pastas com nomes
Embora amedrontada, não esperou muito tempo até apresentar queixa na Polícia. "A pandemia atrasou o processo e só me chamaram em maio. Disseram que estavam a tentar ajudar, mas era muito complicado, as imagens já tinham passado por muitos sítios", desde plataformas como o Discord, Telegram, o WhatsApp e até pelo Pornhub.
"Eles criam pastas com os nomes de cada rapariga, e dentro guardam as respetivas imagens", denuncia. "É como um catálogo virtual de conteúdos íntimos". Pensativa, Núria conclui que "é determinante expor a situação a alguém".
Vi um senhor a pedir para me violarem
Com apenas 18 anos e a viver em Guimarães, "Guida" tinha uma juventude como a de tantas outras raparigas, até se tornar mais um alvo dos inúmeros grupos privados do Telegram, onde as imagens de mulheres são trocadas como mercadoria.
Tudo mudou quando uma fotografia no seu Instagram chamou a atenção de pessoas erradas. "Comecei a ganhar muitos seguidores masculinos", lembra. Não passou muito tempo até descobrir o que se passava.
"Recebi uma mensagem de um desconhecido a dizer que uma imagem minha andava num grupo", diz. "De cuecas de biquíni e mãos no peito, em frente ao espelho", assim a descreve Margarida.
No dia em que a publicação foi feita, encontrava-se de férias e preparava-se para ir à praia. Nunca imaginou possíveis repercussões. O choque foi inevitável. "Achei que isto podia vir a arruinar-me a vida, se não me pusesse a pau".
Assistindo à constante devassa da imagem do seu corpo, sabia que recuar não era opção. Foi nesse momento que se apercebeu: "Não estava sozinha".
Expôs a situação nas redes sociais e rapidamente reuniu um grupo de vítimas com o objetivo de "angariar o máximo de provas". Em poucos dias, já contava com mais de trinta elementos e com o apoio de advogados.
Grupo muda de nome
A timidez de Margarida não disfarça a revolta que o nome "Pussylga" lhe suscita no olhar. O grupo ainda está ativo, mas o nome é alterado quase todos os dias devido às constantes denúncias por parte das vítimas. As identidades derivam da palavra inglesa brejeira para o órgão sexual feminino.
Sabe-se que no momento se apresenta como "Psss Psss Pussy" e é seguido por mais de quatro mil pessoas, essencialmente homens. "Dizem todo o tipo de barbaridades sobre mim", desabafa. "No outro dia, vi um senhor a pedir para me violarem".
Alguns perguntam quanto levo
A história de Inês Marinho não é recente. Hoje, com 22 anos e a residir num pitoresco T1 entre as ruas vetustas do Bairro Alto, recorda a primeira vez que viu a sua intimidade ser exposta na Internet sem consentimento, não muito tempo após atingir a maioridade.
"Eram apenas fotos mais reveladoras", relativiza. "Na altura até ignorei um bocado". Novas imagens "mais explícitas e preocupantes" surgiram com o passar dos anos em diferentes plataformas, como o Facebook, WhatsApp, Twitter e, há menos tempo, o Telegram. "Sofri de assédio moral", afirma. "Alguns perguntam quanto é que eu levo ou onde é que vendo o meu conteúdo". Não há dia que passe sem Inês receber uma mensagem.
Só duas pessoas muito próximas tinham acesso às imagens, mas o responsável pela divulgação permanece uma incógnita. Já o medo, esse, a jovem conhece-o bem, e o olhar por cima do ombro tornou-se um hábito. "Fiquei mais defensiva", garante.
"Uma vez no trabalho reparei que um colega me estava a filmar". Num instante pensou que podia estar relacionado. "Será que ele queria mostrar nos grupos que me conhecia e que tinha imagens minhas?". Ainda assim, o sorriso ninguém o tira, tampouco a coragem que já a levou a apresentar duas queixas na Polícia.
Parceiros partilham
A jovem assume que conseguiu entrar nestes pontos de partilha clandestinamente. O procedimento dos membros é consistente. "Partilham uma foto de perfil de uma rapariga e quem tiver conteúdo dela envia". Fotografias essas que derivam geralmente de redes sociais.
"Não pedem pornografia normal, pedem pornografia de vingança", que ocorre quando um dos parceiros expõe a intimidade do outro na Internet para causar dano emocional. "Diz muito mais da pessoa que divulga os conteúdos do que a que está retratada neles".