Presidente de Secção da Relação do Porto está a ser julgado por ter ido ao Facebook chamar "mentirosa e desonesta" a colega.
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O juiz desembargador Francisco Marcolino de Jesus, presidente da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, está a ser julgado por difamação, depois de ter sido acusado de chamar, no Facebook, "mentirosa e desonesta" à colega Paula Sá. O arguido, de 65 anos, mantinha com a juíza de direito um longo contencioso, por causa de um processo disciplinar que instruiu contra ela, quando era inspetor judicial, e que acabaria com a condenação do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).
Na instrução, Francisco Marcolino alegou que as palavras alegadamente difamatórias tinham sido escritas pela sua mulher. "Ainda que assim não fosse", acrescentou o juiz de Bragança, "os factos estariam justificados por um interesse legítimo, sendo ainda lícito por decorrerem do exercício da liberdade de expressão". Mas o juiz de instrução não acolheu a argumentação e pronunciou o arguido por um crime de difamação, com publicidade e agravado, em abril de 2019. O julgamento arrancou agora, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
"Conotado" com tráfico
Os factos remontam a 2017, quando Paula Sá partilhou, no grupo do Facebook "Juízes Free", notícia da sua queixa contra o Estado, no TEDH, por ter sido condenada no processo disciplinar instruído por Marcolino.
A vários elogios à juíza natural de Vila Nova de Gaia, seguiu-se um comentário crítico, em nome de Marcolino: "Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções. Parabéns aos que aceitam o exercício de funções nessas circunstâncias. E depois admirem-se que o povo não confie na justiça".
Marcolino garante que deixou o computador aberto e a mulher escreveu aquilo. Os elogios a Paula Sá indignaram-na, por sugerirem que esta tinha sido injustamente condenada, quando a queixa ao TEDH invocava "razões formais", justificou. Como inspetor, Marcolino instruíra contra Paula Sá um processo disciplinar em que esta "arrolou como testemunha presencial de um telefonema um sr. juiz que, à hora daquele, estava a presidir a um julgamento".
A mulher assume o comentário. Na instrução, justificou-o por ter visto o cônjuge "muito incomodado" com os elogios a Paula Sá e pela "inquietação constante" em que o marido e ela viviam desde o processo disciplinar. Acusou Paula Sá de "difamar constantemente o seu marido, inclusivamente através da Imprensa, conotando-o, entre o mais, com o tráfico de droga e de armas".
Marcolino contradiz-se
Mas, para o juiz de instrução, o comentário no Facebook foi "de gravidade extrema" e, se fosse da mulher, esta assumiria imediatamente a sua autoria, por não poder deixar de antecipar as possíveis consequências que dele resultariam para o marido nos planos civil, disciplinar e criminal.
Marcolino já foi condenado pelos mesmos factos, a 12 dias de multa, em sede disciplinar. E, aqui, assumiu o comentário. Mas, no processo-crime, alega que o fez para poupar a mulher a represálias por parte de Paula Sá. Uma explicação que "não se afigura convincente", avaliou o juiz de instrução, que ponderou ainda o conflito entre a "dignidade humana" e a "liberdade de expressão", para concluir que, no caso, a primeira prevalece sobre a segunda.
Resta saber o que concluirá, agora, o STJ.