Presidente de secção criminal do Tribunal da Relação de Porto foi absolvido de difamar colega de profissão, apesar de, para os conselheiros, o seu comportamento ter sido "socialmente reprovável e eticamente censurável".
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) absolveu, esta sexta-feira, o juiz desembargador Francisco Marcolino de Jesus, presidente da 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, de ter difamado no Facebook e numa queixa-crime contra incertos a juíza de direito Paula Sá, atualmente em funções no Tribunal de Guimarães. A decisão, passível de recurso, é a mais recente numa guerra que os magistrados mantêm há mais de uma década nos tribunais e na esfera disciplinar.
Na leitura do acórdão, a relatora da decisão, Teresa Féria, admitiu que os atos em causa podem ser "socialmente reprováveis e eticamente censuráveis". Mas ressalvou que não cumprem os critérios legais para serem considerados difamação. E apelou ao arguido e a Paula Sá que "refreiem" os seu "ímpetos".
"Não se esqueçam da vossa qualidade de juristas e magistrados, que confere responsabilidade acrescida aos vossos atos", alertou a conselheira.
O longo contencioso entre Marcolino de Jesus e Paula Sá, ambos de 66 anos, começou em 2010, quando o primeiro, então inspetor judicial, avaliou a colega. Então de licença de maternidade, a magistrada terá ligado ao desembargador a pedir que o resultado fosse entregue rapidamente, de modo a poder concorrer a uma vaga no âmbito da mobilidade de juízes. Marcolino de Jesus acusou-a mais tarde de o ter chamado de "mentiroso", o que aquela sempre negou.
O caso acabou por dar origem a três processos disciplinares abertos pelo Conselho Superior da Magistratura, nos quais Paula Sá foi condenada, em 2011, a penas de multa e de suspensão de funções. Inconformada, a juíza recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que, anos depois, acabaria por lhe dar parcialmente razão.
Em 2017, foi ouvida naquela instância, tendo tal sido publicitado num grupo fechado de juízes no Facebook. Vários magistrados elogiaram a sua posição, mas, a determinada altura, o utilizador "Marcolino Francisco", atribuído a Marcolino de Jesus, acusou-a de ser "confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções".
O comentário deu origem a uma queixa-crime contra o desembargador, que, devido à sua categoria profissional, foi julgado no STJ. Só que, esta sexta-feira, o coletivo de juízes liderado por António Pires da Graça sustentou que não ficou provado que tenha sido o arguido ou a sua mulher a escrevê-lo. Marcolino de Jesus foi, por isso, absolvido.
Alusão a infidelidades conjugais
O diferendo ocorrido em 2010 acabaria, ao longo dos anos seguintes, por dar origem a nove procedimentos disciplinares e 12 criminais, com acusações de parte a parte. Em 2016, o juiz desembargador apresentou ainda uma queixa-crime contra incertos, na qual insinuou que seria Paula Sá a autora de uma denúncia anónima contra si.
Da participação criminal, constava uma nota a aludir a alegadas infidelidades conjugais da juíza. Por ter sido acusada pela sua advogada, Ana Cotrim, esta acabou, nesta situação, por ser acusado de difamação a par do seu cliente. O desfecho foi também a absolvição.
No acórdão proferido esta sexta-feira, os conselheiros concluíram que, embora as afirmações possam ser "eticamente censuráveis e socialmente reprováveis", não configuram crime. Em causa está o facto de, no entender do STJ, os arguidos saberem, à data da queixa-crime, que o que diziam era falso e poderia ofender a honra da magistrada.
O Ministério Público e Paula Sá ainda podem recorrer da decisão.