O Tribunal de Viseu começou esta terça-feira a julgar um homem, de 38 anos, que estava acusado de furtar uma galinha, no valor de dez euros, a um juiz. O arguido respondia ainda por um crime de injúria agravada e difamação do magistrado. O caso foi, entretanto, encerrado após um acordo estabelecido entre o arguido e o juiz Vítor Rendeiro.
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Por sugestão da juíza que presidia ao julgamento, e já depois de o arguido, o juiz e a mulher deste terem prestado declarações, as duas partes chegaram a um acordo.
José Luís Cardoso pediu desculpa ao magistrado, com quem se tinha desentendido, tendo esse mesmo pedido ficado registado em ata. "Peço desculpa, mas não sou nenhum ladrão", disse o arguido, acrescentando que o caso já podia ter-se resolvido se o juiz Vítor Rendeiro o tivesse ouvido à data dos factos.
O magistrado aceitou o pedido de desculpa e concordou em reduzir o pedido de indemnização, por danos morais que pedida, de 2 mil para 500 euros.
Em tribunal, e antes deste acordo, José Luís Cardoso confirmou a maioria dos factos constantes da acusação do Ministério Público, mas negou ter chamado "filho da p***" ao juiz Vítor Rendeiro depois deste lhe exigir uma galinha que apanhara da via pública e que colocara no seu galinheiro.
O caso insólito ocorreu no dia 11 de abril de 2020, véspera do dia de Páscoa, na aldeia de Farminhão, no concelho de Viseu. José Luís Cardoso contou que nesse dia, ao final da tarde, quando estava a sair de uma terra de um familiar com a mãe da sua companheira, viu na rua uma galinha que pensava ser da sua familiar e que depois de a apanhar a colocou no respetivo capoeiro.
Referiu que mais tarde foi abordado pelo juiz Vítor Rendeiro, que mora junto à propriedade dos seus familiares, que lhe exigiria a galinha que este lhe roubara.
José Luís Cardoso explicou que por três vezes tentara explicar o sucedido, tendo o magistrado recusado ouvi-lo. Foi, entretanto, buscar uma ave ao galinheiro, e entregou-a ao juiz. "Dei-lhe a galinha e mandei-o para o cara*** e disse vai-te f****. Ele chamou-me ladrão e eu exaltei-me", declarou.
Na contenda, o magistrado disse-lhe que o poderia mandar prender. O arguido garantiu que não sabia que Vítor Rendeiro era juiz e que este nunca o dissera durante a discussão. Só descobriu a profissão do homem com quem se desentendeu ao ser notificado pela GNR.
O juiz Vítor Rendeiro apresentou uma versão ligeiramente diferente dos factos. Disse que viu o arguido a apanhar a galinha na rua, quando esta se estava a dirigir para o seu galinheiro.
À juíza contou que na primeira abordagem, perguntou a José Luís Cardoso se este tinha visto uma galinha ao que este negara. Perante tal resposta, disse que pediu ao arguido para ir buscar a ave que o tinha visto a apanhar na rua e que ficaria tudo resolvido. Depois demais umas trocas de palavras, o arguido lá acedeu, tendo lhe tido, ao mesmo tempo, "vá-se f****". Contou ainda que avisou que mandaria prender o homem, por ser um juiz de direito, se este não se acalmasse e mudasse de comportamento.
Mais tarde, quando já estava na sua quinta, o magistrado assegurou ter ouvido José Luís Cardoso a dizer a familiares a alto e bom som: "É um juiz, é um homem como eu, é um filho da puta".
"A situação do caricato e de uma coisa simples agravou-se e fiquei muito transtornado com a gratuidade da ofensa. O meu tratamento foi de delicadeza, cheguei de forma humilde e correta e ele foi grosseiro e mal-educado. Obviamente que isto me transtornou e me tirou o sono", alegou.
No dia seguinte, e segundo o magistrado, o "sogro" do arguido foi pedir-lhe desculpa e devolver-lhe a sua verdadeira galinha, uma vez que o arguido lhe tivera entregue uma ave que não a sua.
"Estamos aqui por causa de uma galinha. É ridículo", disse no final do seu depoimento o juiz Vítor Rendeiro.