Juíza foi reformada compulsivamente por não dar andamento a centenas de processos
Magistrada também se apoderou de processos e ignorou ordens. Recorreu para o Tribunal Europeu, mas perdeu.
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Uma juíza não proferiu sentença em 210 casos que tinha sob a sua responsabilidade, atrasou o desenrolar de dezenas de ações judiciais, algumas delas urgentes, e levou consigo, sem qualquer autorização, 19 processos completos quando foi transferida do Tribunal de Alcobaça para o de Leiria. Cristina Albuquerque Fernandes recusou-se, ainda, a cumprir as ordens do Conselho Superior da Magistratura (CSM) para devolver os volumes daqueles processos e, quando tinha 48 anos, foi aposentada compulsivamente.
O caso remonta a 2010, mas só agora chegou ao fim, com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) que desmonta a tese de defesa da, agora, antiga magistrada.
Cristina Albuquerque Fernandes estava colocada no Tribunal de Alcobaça quando, em setembro de 2010, foi transferida para o 5.º Juízo Cível do Tribunal de Leiria. Ao mudar-se, levou consigo volumes de 19 processos que tinha sob a sua alçada, sem ter solicitado autorização a entidade superior. Quando o caso foi denunciado, a juíza recusou-se a cumprir a ordem dada por um inspetor judicial para fazer regressar os processos a Alcobaça e, por decisão do CSM, seria, em abril de 2011, suspensa por 30 dias.
Três meses depois, o inquérito disciplinar instaurado terminou com Cristina Albuquerque Fernandes acusada de várias irregularidades. Violação do dever de zelo, desobediência de deliberações do CSM, impedimento da administração da justiça e ações que prejudicaram irremediavelmente o prestígio do sistema judiciário foram as principais. Tudo porque se descobriu que a juíza, além de se ter apropriado de processos indevidamente, atrasou o desenrolar de dezenas de ações judiciais, algumas classificadas como urgentes, e não proferiu sentença em 210 casos.
"Formalismo excessivo"
Ainda em setembro de 2011, a magistrada defendeu-se. Garantiu que tinha avisado os serviços do Tribunal de Alcobaça de que iria levar consigo alguns processos quando fosse transferida e revelou que estava a sofrer de problemas de saúde, inclusive ansiedade. Argumentário insuficiente, porque, no final desse ano, o CSM aplicou-lhe uma das penas mais pesadas: aposentação compulsiva.
Cristina Albuquerque Fernandes iniciou então uma batalha jurídica que, ao longo dos anos seguintes, passou pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Constitucional e, finalmente, pelo TEDH. No Supremo Tribunal de Justiça, a juíza alegou que a acusação inicial do CSM apontava para a imposição de uma multa ou de uma transferência e que, assim sendo, não teve oportunidade de se defender relativamente à decisão de a aposentar compulsivamente. Não obteve qualquer provimento.
Já na instância europeia, Cristina Albuquerque Fernandes acusou o Tribunal Constitucional de "formalismo excessivo", por este ter rejeitado um recurso, prejudicando a sua defesa.
Os ex-colegas, contudo, não lhe deram razão. "As decisões de inadmissibilidade proferidas pelo Tribunal Constitucional não refletiram um formalismo excessivo neste caso. Pelo contrário, as decisões garantiram a segurança jurídica e a correta administração da justiça. O Tribunal Constitucional restaurou o Estado de direito em relação a uma medida processual errada tomada pela Sra. Albuquerque Fernandes. As restrições impostas ao requerente não prejudicaram, portanto, a essência do seu direito de acesso a um tribunal", concluiu o TEDH.