Grupo de trabalho ultima pormenores para obter uma lei de metadados "robusta" que seja do interesse da investigação criminal.
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A solução legislativa destinada a adaptar a Lei dos Metadados aos condicionalismos impostos pelo acórdão do Tribunal Constitucional (TC), de abril do ano passado, está prestes a sair da Assembleia da República. Deputados do PSD, PCP e Chega apresentaram projetos de lei, enquanto PS e Iniciativa Liberal submeteram propostas de alteração ao diploma do Governo. O grupo de trabalho vai reunir-se nas próximas semanas, na tentativa de apresentar um texto comum que represente um consenso e que dê "robustez política" ao diploma.
O processo legislativo, que visa permitir a utilização de metadados para fins de investigação criminal, começou há cerca de um ano, pouco depois do acórdão do TC ter sido divulgado.
Os partidos com assento parlamentar apresentaram propostas e o grupo de trabalho realizou, entre setembro e outubro do ano passado, audições. Seguiram-se debates e, nesta altura, existem as várias propostas. Mas, de acordo com informações recolhidas pelo JN junto de fontes parlamentares, o objetivo é chegar a um acordo para submeter à votação um texto comum, pelo menos entre PS e PSD. Uma reunião do grupo de trabalho que esteve agendada para a semana passada não chegou a realizar-se, a pedido do PS, mas o JN sabe que há vontade de chegar rapidamente a um entendimento.
Tribunal Constitucional condiciona nova lei
Todos concordam que a investigação criminal não pode ficar privada dos metadados, mas admitem que o acórdão do TC condiciona muito a redação de uma nova legislação.
A proposta de lei do Governo, apresentada em maio do ano passado, prevê que as autoridades possam aceder às bases de dados que as operadoras de telecomunicações mantêm, durante um prazo de seis meses, para fins de faturação. Ou seja, não contemplam dados de georreferenciação.
Na proposta do PS, o prazo de acesso é reduzido para três meses, podendo ser renovado.
O PSD pretende uma redução de conservação de dados para 12 semanas e a notificação do titular dos mesmos, desde que essa notificação não ponha em causa a investigação ou seja um perigo para alguém.
Criminosos em vantagem sobre polícias
O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), entende que os polícias europeus enfrentam "um constrangimento relativamente ao acesso aos metadados", o que causa uma "profunda desigualdade" entre os meios das organizações criminosas e os da investigação criminal. Luís Neves, que tem vindo a reclamar uma legislação "sólida", reuniu, há dias, em Lisboa, representantes de 31 órgãos de polícia criminal de 26 países, na procura de soluções legislativas para os impactos negativos das restrições de acesso aos metadados. Segundo o diretor na nacional da PJ, a globalização do meio digital e das comunicações levou a "uma profunda desigualdade entre aquilo que são os meios que os criminosos e organizações criminosas têm ao seu dispor e os meios que as polícias e a investigação criminal" têm, de forma legal, para "combater essa desigualdade". Na sua opinião, no âmbito daquilo que "é um espaço democrático de respeito pela repartição de poderes entre o executivo, o legislativo e o judicial", deveria caber ao judicial encontrar aquilo que é o ponto de "proporcionalidade e de equilíbrio" entre a liberdade e a privacidade do cidadão.
Casos polémicos
"Bispo de Valongo" detido com pornografia infantil libertado
Um homem, bispo de um culto religioso de Valongo, que esteve meses em prisão preventiva, acusado do crime de pornografia de menores, foi absolvido e imediatamente libertado em junho do ano passado pelo Tribunal do Porto, ao abrigo do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que considerou o usou de metadados como prova proibida. Como o inquérito foi aberto após o alegado cometimento dos factos, que consistia na transferência e partilha de conteúdos pornográficos envolvendo menores, a investigação teve de recorrer aos metadados para estabelecer que o IP do indivíduo era aquele que acedia a esse tipo de imagens. Em casa, tinha 824 ficheiros de menores, mesmo assim foi libertado.
Prova ilegal leva a reformulação do acórdão
O Tribunal da Relação de Évora anulou, esta terça-feira, o acórdão do processo de Tancos, que terá agora de regressar ao Tribunal de Santarém. Em causa está o uso de metadados no processo, como também a violação do princípio do juiz natural. Os juízes optaram por declarar a nulidade do acórdão "decorrente da utilização de prova proveniente de meio de obtenção de prova proibido e, em consequência, ordenar a reformulação da factualidade considerada como provada". O processo regressou assim ao Tribunal de Santarém para que o coletivo reformule o acórdão.
Homicídio de rapper: Supremo recusou analisar metadados
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou-se, em novembro último, a analisar o uso dos metadados na condenação por homicídio do "rapper" Mota Jr. No acórdão do STJ, os juízes rejeitaram recursos em que os advogados apelam a matéria de facto, como o recurso a metadados como prova - no caso, a geolocalização através da triangulação de sinal das antenas de telemóveis. O STJ diz não poder ser alvo de apreciação nesta fase de recurso, uma vez que apenas lhe compete analisar recursos em matéria de direito (e não em matéria de facto) já decidida em primeira instância e na Relação.