O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) entende que a declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Metadados não se aplica aos casos com sentença transitada em julgado.
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Segundo o STJ, para que tal acontecesse, o Tribunal Constitucional (TC) deveria ter expressamente declarado uma exceção de ressalva aos casos julgados, o que não se verificou. Portanto, ficam "intocados todos os casos julgados que tenham aplicado a norma inconstitucional", lê-se numa decisão do STJ com a data de 13 de abril.
O acórdão, consultado pelo JN e assinado por quatro juízes do STJ - José Luís Lopes da Mota, Paulo Ferreira da Cunha, Maria Teresa Féria de Almeida e Nuno António Gonçalves -, frisa mesmo que "é este o entendimento que, em jurisprudência uniforme, tem vindo a ser reiterado por este STJ, em mais de dezena e meia de acórdãos proferidos em recursos extraordinários de revisão com fundamento na invocação do acórdão do TC 268/2022, de 19 de abril de 2022", relativo à chamada Lei dos Metadados (ler ficha).
Não atinge já transitados
Segundo o mais recente acórdão do STJ, a Constituição da República Portuguesa estabelece que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não se aplica aos casos julgados, "salvo decisão em contrário do TC quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido".
Ora, quando se pronunciaram sobre a Lei dos Metadados, os juízes do TC optaram por não proferir uma "decisão de exceção da ressalva de todos os casos julgados". Constata-se por isso que a intenção do TC foi não atingir casos já julgados, concluiu o acórdão do STJ, em resposta a um recurso de revisão extraordinário interposto a propósito do Caso Cardinal (ler texto ao lado). A revisão foi negada precisamente por a sentença já ter transitado em julgado em 2017.
Sobre este tema e ainda no plano formal, o STJ lembra que "a revisão é admissível quando uma sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".
Decisão internacional
Neste caso, a decisão internacional de invalidade do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em que depois assentou a inconstitucionalidade do TC, é de abril de 2014; portanto, anterior à sentença em causa: 2017. Por outro lado, não constituiu "uma sentença vinculativa" no verdadeiro sentido, pois o Estado português não é sujeito processual. Sem prejuízo de todos os órgãos europeus deverem considerar a decisão, só o destinatário da mesma, o órgão que colocou a questão ao TJUE, é que a deve encarar como vinculativa.
Por fim, os juízes do STJ ainda frisam que a lei declarada como inconstitucional transpôs uma diretiva europeia de março de 2006 relativa à conservação de dados. Tema diferente é o acesso aos dados, atividade regulada por normas do Processo Penal português (Lei 59/2019), que transpôs uma diretiva de 2016. Pelo que também por aí, caso fosse admitida a revisão da sentença, o recurso poderia ser declarado infrutífero.
STJ rejeita recurso de Paulo Pereira Cristóvão por uso ilegal de metadados
O Caso Cardinal remonta a dezembro de 2011. Paulo Pereira Cristóvão, então vice-presidente do Sporting CP, pediu a um colaborador para ir até ao Funchal e depositar dois mil euros na conta de José Cardinal, um árbitro assistente nomeado para um jogo entre o Marítimo e os leões. Depois, o dirigente acusou Cardinal de ter sido subornado para prejudicar o Sporting. Em maio de 2016, Pereira Cristóvão foi considerado culpado de dois crimes de peculato, um de acesso ilegítimo e outro de denúncia caluniosa. Seria condenado a quatro anos e meio de prisão, com suspensão de pena, e ao pagamento de 40 mil euros ao árbitro. Recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, em fevereiro de 2017, manteve a pena mas reduziu a indemnização para 25 mil euros.
A sentença transitou em julgado a 20 de abril de 2017, mas, em junho do ano passado, a defesa de Pereira Cristóvão interpôs um recurso por considerar que a prova usada para a condenação por denúncia caluniosa estava abrangida pela declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Metadados e que deveria haver uma revisão de sentença que ditasse absolvição daquele crime e também do pagamento da indemnização a Cardinal. A revisão foi agora rejeitada pelo STJ.
Perguntas e Respostas
O que são os metadados?
São dados sobre dados. É informação sobre identificação do utilizador, descrição e localização. No caso de acessos à Internet, são as horas de entrada e saída dos clientes, locais, endereços IP e duração dos acessos. Nos telefonemas, são informações sobre emissor e recetor, além dos locais onde a chamada é feita e duração das mesmas.
Como surge a base de dados?
Após os atentados de Madrid, a União Europeia (EU) deu meios às polícias para o combate ao terrorismo. Em 2006, uma diretiva europeia, que seria transposta para a legislação nacional, obrigou as operadoras a conservar os dados durante um ano.
Porque foi invalidada?
Em 2014, o Tribunal de Justiça da UE decidiu que a normativa violava o princípio da proporcionalidade e o direito ao sigilo das comunicações. Reconhecia que havia interesse em guardar os dados, mas, para tal, era necessário que fossem impostos limites de acesso.
O que foi feito e quais são as consequências?
Vários estados-membros alteraram as suas leis. Em Portugal, apesar de vários avisos, nada foi feito. Em 2017, uma associação levou a que o Constitucional verificasse a lei e a declarasse inconstitucional, com efeitos retroativos. Ou seja, poderão estar em causa milhares de processos judiciais que utilizaram metadados.