O major da GNR condenado no Tribunal de Setúbal a quatro anos e meio de prisão efetiva por quatro crimes de tortura, por ter chicoteado assaltantes, na Comporta, Grândola, foi colocado no Comando de Doutrina e Formação da GNR, que superintende toda a formação.
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Uma primeira condenação à mesma pena, em abril do ano passado, foi anulada pelo Tribunal da Relação, mas viria a ser confirmada, na repetição do julgamento, a 11 de novembro passado.
Os crimes aconteceram na madrugada de 22 de junho de 2011, quando o oficial comandava o destacamento de Santiago do Cacém. Quatro suspeitos, com idades entre 21 e 28 anos e cadastro por assaltos violentos, tinham furtado carros e máquinas de tabaco em Santiago do Cacém e Vila Nova de Santo André, mas foram capturados. Carlos Botas, já com os suspeitos algemados, chicoteou-os nas costas, nádegas, braços e pernas enquanto dizia: "Na minha zona ninguém rouba", "deem o recado aos vossos amigos que esta zona é minha" e "não me olhem nos olhos". Já no posto da GNR da Comporta, Botas levou outro dos detidos para o parque de estacionamento onde lhe desferiu mais chicoteadas.
Dada a "abundante" prova contra Carlos Botas, o coletivo de juízes considerou, no acórdão a que o JN teve acesso, que "se o desferir pancadas no corpo do ofendido com a "picha de boi" é já, de per si, muito grave, considerando, nomeadamente, a situação de perfeita submissão em que se encontrava o ofendido, mais grave é, sem qualquer razão, o arguido desferir um golpe com um objeto cortante na nádega direita do ofendido: tratou-se de um ato de pura e simples crueldade, quando o ofendido não podia, sequer, defender-se". O arguido negou, assumindo apenas que os ferimentos na nádega de um dos ofendidos foi causada, acidentalmente, pelas algemas.
Carlos Botas faltou à leitura do acórdão por estar em Varsóvia numa ação oficial de formação da Frontex. Está previsto que ministre formação em Portugal sobre as diretivas da proteção das fronteiras externas da União Europeia. Carlos Botas chefia a Divisão de Estudos e Análise de Informação Criminal do Comando de Doutrina e Formação da GNR desde que foi acusado dos crimes de tortura.
Já no primeiro acórdão (anulado por causa de uma discrepância no número de crimes) o juiz tinha arrasado o oficial. "Não temos qualquer direito de fazer justiça privada e como agentes do Estado ao serviço do Estado de Direito, temos que ser os primeiros a garantir os direitos dos seres humanos", afirmou. Os juízes não suspenderam a pena porque não viram, "em nenhum momento, qualquer sinal de arrependimento por parte do arguido, o que leva a crer que em situações semelhantes no futuro, venha a fazer o mesmo".
Novo recurso
O advogado do militar garantiu ao JN que irá recorrer de novo. "Devia ser absolvido dos crimes, mas se tal não acontecesse, deveria ser aplicado apenas um crime e a pena ser suspensa", referiu Vivaldo Palminha, considerando a pena inaudita, pois o arguido não tem condenações anteriores. A pena acessória de proibição de exercícios de funções não foi aplicada porque a moldura penal aplicada a cada um dos crimes não é superior a três anos de prisão. O JN questionou a GNR sobre a situação do major Carlos Botas, mas não obteve resposta. O JN também questionou o major, que não respondeu em tempo útil.
Polémica
O Ministério Público (MP) só teve conhecimento da situação ocorrida na Comporta em maio de 2013, pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas e Tratamentos Desumanos ou Degradantes. Um dos detidos na operação policial na Comporta e golpeado na nádega, ficaria em prisão preventiva e foi na cadeia de Setúbal que denunciou a tortura. A direção da cadeia informou o Comando Geral da GNR que abriu um processo disciplinar, arquivado por falta de indícios. Porém, nenhuma informação chegou ao MP, que só soube do caso através do referido comité.
Inquérito arquivado O Ministério Público de Alcácer do Sal chegou a arquivar o inquérito às agressões baseado no processo de averiguações da GNR, mas a decisão foi anulada pela Relação, por falta de diligências. A acusação por tortura foi feita depois pela Procuradoria de Setúbal.
Pormenores
MP investigou GNR - O facto de a GNR não ter denunciado o caso logo em 2011 ao MP, que só soube em 2013, por um comité europeu, originou uma investigação às chefias da GNR por suspeita de crime de omissão de denúncia. O inquérito foi arquivado.
Vítimas condenadas - O Tribunal de Santiago do Cacém condenou, em 2012, os quatro detidos agredidos a penas de prisão, duas suspensas, por furto, dano e consumo de drogas.