Os traficantes e toxicodependentes não acabaram. Como aconteceu com o fim do bairro São João de Deus ou com a demolição das torres do Aleixo, quase todos adaptaram-se às novas circunstâncias e rumaram a outras paragens para evitar a vigilância policial e a pressão mediática que incidiu, em força, na Pasteleira Nova, nos últimos meses.
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Alguns limitaram-se a percorrer a curta distância que separa a Nova da Velha Pasteleira para continuar a traficar e a comprar droga. Outros, não chegaram a caminhar três quilómetros até chegar a Ramalde, onde, há pouco menos de um mês, o tráfico começa logo às 8 horas, junto a um pequeno ringue construído no meio do bairro.
Na última reunião de Câmara do Porto, realizada na semana passada, Adriano, um habitante do bairro, descreveu aos vereadores as longas filas que se formam para comprar droga. "As crianças têm medo de andar na rua. As senhoras e eu próprio, que sou uma pessoa de idade, temos medo daquela cambada. Chegam a estar 70 [consumidores na rua] e uma mulher que trabalhe à noite só entra em casa se o marido a for buscar", afirmou.
O negócio tem um pico pela hora de almoço e prolonga-se até às 19 horas, porque, após os excessos da Pasteleira Nova, a estratégia dos narcotraficantes privilegia a menor exposição possível e o fim da concentração, ininterrupta e no mesmo local, de toxicodependentes à procura da próxima dose.
O tráfico de final de tarde e noturno acontece, assim, a cerca de 300 metros dali, já em Campinas.
Pelos caminhos que separam os dois locais cruza-se a caminhada lenta dos idosos residentes com o passo rápido de gente de cabeça baixa e tiques nervosos. Estes últimos têm um único destino: o bloco 21. É no hall de uma das entradas deste prédio que tudo se compra e vende e já houve dias em que a fila de clientes deu a volta ao edifício.
Estendais para consumir
O consumo faz-se, muitas vezes, logo ali, entre mantas amarradas pelas pontas a um dos vários estendais que caracterizam a paisagem urbana das Campinas. Com mais de metade do corpo escondido pela roupa posta ao vento, traficantes e consumidores tentam dissimular o que todos sabem e escapar a eventuais vigilâncias policiais.
Os menos envergonhados, porém, mantêm hábitos da Pasteleira Nova e fumam ou injetam a sua droga favorita perante o olhar de quem passa. Pequenos espaços verdes que ladeiam a Avenida Associação Empresarial de Portugal e antecedem a entrada em Ramalde transformaram-se em locais de consumo para muitos dos que viviam em redor do antigo supermercado da droga nortenho.
Naquela zona da cidade também Francos acolheu os fugitivos da Pasteleira Nova. E para os que chegam com dúvidas, um graffiti na parede de um pequeno polidesportivo dá todas as certezas. "Fila aqui" diz a frase pintada com letra tosca e é precisamente ali que os toxicodependentes se juntam para comprar droga num pequeno largo, que separa um café de um dos vários prédios do bairro.
Sentimento de insegurança no Cerco
No Cerco do Porto, bairro tradicionalmente conotado com o tráfico de droga, os estilhaços da Pasteleira Nova sentem-se ainda com mais intensidade. "Nas 48 horas seguintes à operação realizada na Pasteleira Nova sentimos os efeitos na freguesia de Campanhã", assume o autarca desta freguesia. Paulo Ribeiro revela que, logo nesses primeiros instantes, "consumidores que paravam na Pasteleira juntaram-se em grupos grandes, na Avenida de Cartes" e montaram tendas para consumir a droga comprada no Cerco do Porto e no Lagarteiro.
"Começámos a receber muitas queixas de moradores e eu tive que meter pés ao caminho. Pedi ajuda à PSP e à Polícia Municipal para não ter em Campanhã consumidores a injetarem-se na via pública como acontecia na Pasteleira Nova", afirma.
As barracas foram, entretanto, retiradas pela Polícia Municipal e a PSP passou a vigiar o Cerco do Porto com maior regularidade. Quase todos os dias, uma patrulha alargada percorre as ruas do bairro, mas mesmo assim, confirma o presidente da Junta de Campanhã, paira "um sentimento de insegurança" sobre a população. "Chegam à Junta vários e-mails e algumas pessoas abordam-me para dizer que [o tráfico] já começou noutros bairros da freguesia. Solicitei uma reunião urgente com o ministro da Administração Interna, para ver se conseguimos ter um bocado de sossego numa freguesia que, há muitos anos, é castigada com este problema", revela.
Pormenores
Organização deficiente
Os traficantes que estão a abastecer o Cerco do Porto, Ramalde, Campinas e Francos estão longe de atingir o grau de organização que as redes que inundavam a Pasteleira de droga evidenciavam. Fonte policial revela, todavia, que aqueles apresentam muitos cuidados para não serem apanhados.
Consumidores a traficar
Atualmente, os traficantes esperam que se formem filas com cerca de 50 toxicodependentes e só depois se deslocam aos bairros para, em dez minutos, os abastecer de cocaína e heroína. Noutros casos, distribuem pequenas quantidades de droga por consumidores que, sob a sua vigilância, comercializam o estupefaciente.
"Vigias" controlam
Apesar de as rotinas não serem as mesmas da Pasteleira, os novos centros de tráfico da cidade do Porto também já são controlados por "vigias". A chegada de gente estranha é anunciada de imediato e ao mínimo sinal de perigo a venda de droga é interrompida.
Venda concentrada
Em Ramalde, o tráfico está concentrado em três alturas do dia. Começa logo às 8 horas, repete-se entre as 13 e as 14 horas e finaliza já após as 18 horas. Nos restantes momentos, o movimento é diminuto.