Apenas 15 toxicodependentes resistem à saída da Pasteleira Nova. Todos estão concentrados em 11 tendas montadas debaixo do viaduto da rua de Grijó, a pouco mais de dois quilómetros daquele que era o principal mercado de droga do Porto.
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O primeiro instalou-se há nove anos e os restantes foram chegando com o passar do tempo, empurrados pela crescente repressão policial e social imposta à Pasteleira. "Vim para aqui quando retiraram as tendas que estavam na Pasteleira Nova", explica "Fatinha", com 61 anos de vida compactados num corpo de 49 quilos. Através de um sorriso carente de dentes e com um olhar envergonhado por mais de quatro décadas entregues à droga, a sexagenária conta que tinha 18 anos quando experimentou haxixe. A primeira toma de cocaína aconteceu aos 26 e seguiu-se a heroína. "Tenho três filhos e comecei a consumir com regularidade depois do nascimento da primeira criança, mas sempre que estava grávida parava", assegura.
Uma precaução que não evitou o abismo. "Vivi no Aleixo e depois mudei-me para a Pasteleira Nova. Ficava nas tendas e quando as tiraram vim para aqui", declara entre um carrinho de supermercado cheio de tralha, uma cadeira de gaming sem rodas e bicicletas espalhadas pelo chão de terra.
A droga não acaba
Para alimentar o vício, "Fatinha" sujeitou-se a quase tudo. "Fui capeadora e transportadora de algumas redes. Cheguei a transportar quatro quilos de cocaína e passaram-me milhares de euros pelas mãos de uma só vez", diz. Quase nenhum desse dinheiro lhe foi parar aos bolsos, pois o pagamento dos serviços prestados era, quase sempre, em droga.
O mesmo tipo de droga que continua a receber para lavar carpetes de traficantes. Também paga parte do grama de cocaína que consume diariamente com os apoios sociais que aufere. E a droga ainda vem da Pasteleira Nova, levada por quem também (sobre) vive debaixo de um viaduto, embelezado por um pequeno jardim de girassóis e rosas, onde galos e pintainhos convivem com gatos e cães, que sobem e descem colchões empilhados numa mesa de uma antiga escola primária.
"Acha que a droga acaba? Não acaba", sentencia "Fatinha", sem planos para se mudar para Ramalde ou para o Cerco do Porto. "Mas saía daqui já hoje se tivesse um quarto com privacidade. Estou saturada e sinto muita falta de uma casa de banho".
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