Autópsia detetou ferimentos muito diversos. Jéssica foi mesmo violada para esconder droga.
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Jéssica, de três anos, não resistiu a lesões compatíveis com a síndrome da criança abanada, mas foi agredida de todas as maneiras e, na autópsia ao seu corpo, foram contabilizadas 125 lesões. A criança terá inclusivamente sido violada, para ser escondida droga no seu ânus, apurou ainda o Ministério Público, que encerrou ontem o inquérito com a acusação de quatro arguidos por homicídio.
Jéssica foi vítima do plano de Cristina, Justo e Esmeralda para exigir à mãe da criança, Inês Sanches, o pagamento de dívidas por atos de bruxaria. Depois de a terem devolvido moribunda, ameaçaram: "Quando a menina melhorar, entregas novamente, senão a gente mata-te", ouviu a mãe.
Entre os 125 golpes sofridos por Jéssica, segundo a contabilidade dos médicos legistas, está o derrame de um produto abrasivo na face da criança que lhe removeu por completo a pele do nariz e buço. Foram 25 golpes na cabeça, 60 nos braços e pernas, 30 no peito, seis no abdómen, cinco na zona genital. Cristina e Esmeralda, diz o MP, utilizaram a menina para esconder cocaína no seu ânus, numa viagem entre Leiria e Setúbal, na semana de 14 a 20 de junho.
O esquema do tráfico de droga imputado à família contou ainda com a participação de Eduardo, irmão de Esmeralda, que está em liberdade e é acusado igualmente de violar a criança para traficar droga.
Devolução frente à PJ
A devolução de Jéssica foi feita no Jardim do Quebedo, frente à PJ de Setúbal. Já com a menina ao colo, a mãe não pediu ajuda à PJ, indo antes para casa, onde a deitou na cama, às 10 horas da manhã. Só às 15 horas voltou a vê-la. Jéssica morreu pouco depois, no hospital, e foi o namorado de Inês que chamou o INEM.
Inês é acusada, com Cristina, o marido desta, Justo, e a filha de ambos, Esmeralda, do homicídio qualificado da menina. A mãe responde por omissão. No dia anterior à morte, esteve na casa da família a quem devia dinheiro por rezas de amarração ao namorado. Nada fez para a salvar, apesar de a ter encontrado "despida, apenas com a fralda colocada, prostrada, sem abrir os olhos, sem falar, com o corpo repleto de hematomas, queimadura na face (nariz e buço) e uma grande pelada na cabeça", descreve o MP. A menina teve convulsões e Inês foi buscar uma colher para ela não asfixiar. Foi avisada de que só voltaria a ver a filha se pagasse a dívida. Nessa noite, saiu com o companheiro para um bar de karaoke.
No espaço de cerca de um mês, Inês entregou a menina três vezes à família. A primeira vez que Inês recorreu aos serviços de bruxaria de Cristina foi em maio, para amarrar o namorado. "Tita" deu-lhe umas ervas e cobrou-lhe 200 euros, que Inês não pagou. A menina ficou então dois dias sob sequestro e Inês deu 100 euros, recebendo a menina incólume.
Mais tarde, Jéssica ficou com a família uma semana. A dívida já aumentara, devido a juros de 100 euros por dia e a novos serviços de bruxaria. Inês não podia pagar, a filha foi espancada e entregue à mãe em tal estado, que só ingeriu líquidos durante uma semana. A 14 de junho, Inês voltou a entregar a filha. Uma semana depois, a menina morreu.
Jéssica agredida depois de partir tablet
No dia 16, com a menina em cativeiro na casa dos arguidos, no Beco do Pinhanha, em Setúbal, a arguida Cristina informou Inês Sanches de que a filha tinha partido o tablet da sua neta. Por isso, acrescia à dívida de cem euros o valor de 250 euros, com juros. E que ia pagar "a bem ou a mal". Inês falava com Cristina e ouvia vozes e gritos de crianças. A sua filha era abanada, agredida com murros e pontapés em todas as zonas do corpo, incluindo cabeça, e fortes puxões de cabelo. Ainda assim, nada fez para salvar Jéssica e ia para karaokes.
Inês mentiu
Inês Sanches disse ao namorado que a filha estivera num ATL e que, quando voltara a casa, a menina estava cansada. Paulo Amâncio saiu para comprar comida e, ao regressar, viu o estado da criança e ligou ao 112, contra a vontade da mãe.
Tribunal de júri
O Ministério Público pede que o julgamento seja feito por um tribunal de júri. Cristina, Justo, Esmeralda e Inês estão acusados de homicídio qualificado. A família responde ainda por rapto, coação e ofensas à integridade física qualificada e, com um quinto arguido, de tráfico de droga e violação.