O Ministério Público (MP) acusou ex-dirigentes e funcionários da Obra Diocesana do Porto de terem criado um esquema para burlar a Segurança Social (SS) em mais de 3,3 milhões de euros, entre 2009 e 2015.
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Os arguidos terão falseado as listagens de utentes, para aumentarem artificialmente o número de pessoas ao seu cuidado e obterem mais financiamento da SS. Duplicavam ou criavam utentes inexistentes, além de usarem nomes de falecidos para sacar dinheiro ao Estado, diz o MP.
De acordo com a acusação, validada há poucos dias por uma juíza de instrução criminal, foi o então presidente da instituição particular de solidariedade social (IPSS), Américo Ribeiro, hoje com 70 anos, quem arquitetou o plano. Contou com a colaboração do tesoureiro, de dois vogais, de uma diretora de serviço e de dois funcionários.
12 centros sociais
A IPSS foi fundada em 1964, por iniciativa da Diocese do Porto, e tem por objeto o apoio aos cidadãos na velhice e na invalidez, mas também às crianças e famílias, "mediante a promoção da solidariedade e da justiça", no concelho do Porto. A IPSS gere 12 centros sociais, com centros de dia, de convívio, creches, jardins de infância e apoio domiciliário, espalhados pela cidade. Para realizar este trabalho social, a IPSS tinha acordos de financiamento com a SS. Os montantes a receber dependiam do número de utentes a que a Obra prestava apoio.
"Perfeito conhecedor dos acordos de cooperação que celebrou com o Centro Distrital do Porto da SS, em representação da arguida Obra Diocesana, bem como da sustentabilidade da aludida IPSS, o arguido Américo Ribeiro arquitetou um plano para financiar a arguida Obra Diocesana, à custa da obtenção de comparticipações por parte da SS a que tal instituição não tinha direito", garante a acusação, deduzida pela procuradora Carla Oliveira.
Usados 436 falecidos
Antes de 2013, para receber as verbas, os arguidos apenas tinham de preencher um formulário em Excel, que era remetido por e-mail aos serviços da SS. Nessa comunicação, os utentes eram identificados por números de processo, o que facilitaria a burla. A partir de maio de 2013, entrou em funcionamento uma plataforma digital disponibilizada pela Segurança Social, onde os utentes já tinham de ser identificados pelo nome e número de identificação de SS. Apesar do maior rigor, os arguidos terão mantido o esquema.
A acusação explica que os arguidos usavam vários esquemas para burlar a SS. Comunicavam utentes já falecidos ou outros que nem sequer existiam. Também "emprestavam" utentes entre os vários centros sociais que geriam, além de colocar nas listas idosos ou crianças que não cumpriam os requisitos de idade para frequentar os centros sociais.
Entre 2009 e 2015, terão comunicado 436 utentes falecidos à SS e, no total, foram milhares de falsificações, que permitiram à Obra receber mais de 3,3 milhões de euros, dos quais já foram devolvidos ou regularizados cerca de 631 mil euros.
O MP promoveu que os arguidos sejam assim condenados a pagar 2,7 milhões de euros ao Estado.
"Ovnis" era nome de código para falsos utentes
O Ministério Público afirma que, nas reuniões da administração, os arguidos usavam a expressão "ovnis" para nomear os utentes que não frequentavam a instituição. Aliás, os arguidos tentariam ser discretos quando falavam do esquema e pressionariam os funcionários para enviar listagem adulteradas. Em reuniões com coordenadores de centros sociais ou diretores de serviços centrais, os arguidos dariam ordens verbais para incluir utentes "ovnis" nas listagens que eram para ser remetidas à Segurança Social. Quando recebiam as listas sem "ovnis", os arguidos mandariam os funcionários "corrigir" os documentos, mantendo os utentes que já tinham saído.
Pormenores
Investigação da PJ
A Polícia Judiciária do Porto investigou o caso a partir de uma denúncia sobre discrepâncias no número de utentes comunicado à Segurança Social pela Obra Diocesana de Promoção Social, conhecida como Obra Diocesana do Porto. Em 30 de abril de 2015, a PJ fez buscas na sede da Obra Diocesana.
Juíza pronunciou
Depois de o Ministério Público deduzir acusação criminal contra os arguidos, vários deles requereram a abertura de instrução do processo, mas a juíza Cristina Malheiro decidiu pronunciá-los, por burla tributária, para julgamento. O JN tentou contactar a advogada que representa a Obra Diocesana do Porto, mas não obteve resposta.