Polícias absolvidos de falsificar auto para proteger agente que matou assaltante menor
Os oficias da PSP Jean Carvalho e Rui Dias foram absolvidos dos crimes de falsificação de documento e abuso de poder. Ao início da tarde desta terça-feira, a juíza do Tribunal do Bolhão, no Porto, não deu como provado que os dois subcomissários tenham falsificado, para proteger um agente e obter o reconhecimento das chefias, o auto de notícia que descreveu a morte de um jovem suspeito de participar no furto de uma máquina de tabaco. O rapaz, com 16 anos, faleceu na sequência de dois tiros disparados por um polícia em 2016.
Corpo do artigo
Tal como o JN avançou, Jean Carvalho e Rui Dias estavam acusados de terem sido os autores do auto de notícia que relatou os acontecimentos da madrugada de 30 de agosto de 2016. O documento descreveu que os agentes Nuno Ferreira e Rui Lourenço encontraram, por acaso, um grupo de assaltantes na rua das Águas Férreas de Campanhã, no Porto, deram ordem de paragem ao automóvel em que seguiam os ladrões e protegeram-se atrás das portas do carro patrulha quando a viatura em fuga veio na sua direção.
Acusados de deturpar a verdade para desresponsabilizar polícia
No mesmo auto lia-se ainda que, após ter sido abalroado, Rui Lourenço realizou "dois disparos de advertência para o ar", antes de atingir o carro dos assaltantes com um terceiro tiro.
Porém, para o Ministério Público (MP), "nada do que se encontra relatado corresponde à verdade dos factos". É, antes, "uma ficção", pois os polícias dirigiram-se à rua das Águas Férreas de Campanhã com a intenção de surpreender os assaltantes e não lhes deram ordem de paragem, defendeu a procuradora do MP titular do caso. O agente Rui Lourenço, sustentou, também não disparou para o ar, antes alvejando o automóvel em fuga com três tiros, dois dos quais atingiriam o jovem que seguia no banco traseiro. O terceiro ficou alojado num banco do automóvel em fuga.
Segundo a acusação do processo que teve sentença nesta terça-feira, embora o auto de notícia estivesse assinado por Rui Lourenço e Nuno Ferreira, não foram estes agentes envolvidos na ocorrência que redigiram o documento. Foram, sim, Jean Carvalho e Rui Dias, que "quiseram deturpar a verdade" e "criar um cenário de cumprimento das regras de atuação policiais".
O objetivo, sustentava o MP, era o de "desresponsabilizar o agente Rui Lourenço" pela morte do assaltante, "mas também e sobretudo" serem "profissionalmente reconhecidos".
Escreveram o que lhes foi relatado
No julgamento que decorreu no Tribunal do Bolhão, os subcomissários acabaram por admitir a autoria do auto. Mas garantiram que só verteram para o papel o que lhes foi relatado pelos agentes Lourenço e Ferreira. Nesta terça-feira, a juíza deu como provado que assim foi. "Foram escrevendo o que os agentes foram relatando", nomeadamente a ordem de paragem, os sinais luminosos do carro patrulha e os disparos de advertência para o ar alegadamente feitos para o ar por um dos agentes, disse a magistrada.
Contrariamente ao que defendia a tese da acusação, a juíza entendeu que os agentes Rui Lourenço e Nuno Ferreira estavam em condições psicológicos de narrar os factos ocorridos, o que foi comprovado pelo depoimento do psicólogo do INEM, que assistiu os agentes da PSP. "A própria inspetora da Polícia Judiciária disse que ouviu, no local, a versão dos tiros para o ar e que esta era plausível", acrescentou a magistrada.
Faltaram provas
Durante a leitura da sentença, a juíza salientou igualmente que "havia documentos anteriores ao auto de notícia que referiam a mesma versão" e que indicavam que tinham sido cumpridas as regras policiais. "Não ficou provado que [os oficiais] tenham violado os seus deveres", afirmou a juíza, que referiu, ainda, que também não ficou provado que estes "quiseram ser reconhecidos" pela autoria de um documento assinado pelos agentes Rui Lourenço e Nuno Ferreira.
Não houve igualmente prova, frisa a sentença, de que, "com a sua conduta, [os subcomissários] quiseram criar um cenário irreal" para desresponsabilizar o polícia que matou o jovem a tiro.
"Fez-se justiça"
"Fez-se justiça", comentou o advogado dos oficiais da PSP, Lourenço Pinto, no final da leitura da sentença. "A versão trazida aos autos pela acusação não tinha fundamento, nem de facto, nem de direito, nem de elementos probatórios, como se veio a dar como provado nesta audiência, com a justa absolvição dos arguidos", referiu, ao JN, o causídico.