Violência no namoro deixa um décimo das vítimas em risco de vida. O ciúme é a principal razão e muitos dos ataques ocorrem em público.
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O Observatório da Violência no Namoro recebeu 284 denúncias de agressões, nos últimos três anos, a um ritmo de oito por mês. Mas a larga maioria não foi denunciada às autoridades policiais. Este é um crime ausente das estatísticas oficiais apesar de, em 12% dos casos relatados, a vítima ter corrido um risco de vida, dizem as estatísticas destes três anos de existência do Programa de Prevenção da Violência no Namoro no Ensino Superior (UNi+).
A quase ausência de denúncia à Polícia de um crime que é público (não necessita de queixa formal da vítima para ser julgado) é uma das principais conclusões retiradas por Mafalda Ferreira, coordenadora-executiva do observatório. "A falta de denúncia oficial às autoridades policiais faz da violência no namoro um crime sem visibilidade pública, por exemplo no Relatório Anual de Segurança Interna", onde são publicados dados sobre criminalidade no país.
Neste três anos, 78% das situações não foram denunciadas, apesar de 20% das vítimas terem necessitado de tratamento médico, 12% terem corrido risco de vida e 3% terem sido hospitalizadas.
Jovem, estudante, em público
É este o perfil da vítima traçado pelo observatório: mulher jovem e estudante, agredida sobretudo em casa, mas também na rua, locais públicos ou universidade. "Quer dizer que há testemunhas, é um crime público que não é comunicado às autoridades", realça Mafalda Ferreira.
A violência no namoro tende a ser recíproca, mas nove em cada dez vítimas são mulheres. E 60% são estudantes, ou seja, têm uma formação que lhes poderia dar mais consciência de vitimação. É que, diz Mafalda Ferreira, muitas não têm consciência de que são vítimas. Exemplo disso é a principal causa das agressões: em 71% dos casos, a espoleta foi o ciúme, que continua a ser encarado "como uma prova de amor".
As razões invocadas tendem a desculpabilizar o agressor: problemas mentais (37%), consumo de álcool ou substâncias (23%), problemas familiares (20%), influência de pessoas amigas (14%) ou dificuldades económicas (10%). Em 18% dos casos é apontada a conduta da própria vítima.
O facto de a violência psicológica, emocional, verbal e de controlo serem prevalentes não ajuda. São as que mais danos causam à vítima, no médio e longo prazo, mas não deixam marcas visíveis. Ao invés, menos de metade das agressões foram de ordem física, social, de perseguição ou sexual.
O risco de sair do namoro
A altura em que a vítima termina a relação e as semanas ou meses que se seguem são de risco elevado. "Muitas vítimas continuam a namorar com a pessoa agressora porque estão conscientes do risco de terminar a relação".
A Associação Plano i, promotora do projeto, é uma das organizações que dão aconselhamento jurídico, apoio psicológico e ajuda a traçar planos de segurança para a saída da relação, adequado a cada situação. Ao lado, pode ler alguns conselhos deixados por Mafalda Ferreira a quem teme represálias por acabar o namoro.
Números
14 queixas por homens
São a imensa minoria: das 284 denúncias, 266 foram feitas por mulheres e só 14 por homens. A larga maioria das vítimas (89%) são heterossexuais e 92% têm nacionalidade portuguesa.
14% de ameaças de morte
A maioria das agressões não implica perigo físico, mas em 14% dos casos há ameaças de morte.
47% são atuais namoradas
Em quase de metade dos casos, as vítimas ainda namoram com o agressor. Por medo ou falta de consciência da condição de vítima. A maioria das agressões não implica perigo físico imediato, mas 14% das denúncias envolvem ameaças de morte.
Plano de segurança
Locais isolados
O fim de uma relação é uma das alturas de maior risco de agressão. Será mais seguro que a pessoa vítima de agressão termine o namoro num local público. O mesmo vale para as semanas ou meses seguintes: encontros devem ser marcados em locais públicos.
Cozinha
Se não for possível evitar um encontro dentro de casa, tenha noção de que há divisões com maior potencial de risco. A cozinha, onde facilmente se encontram facas, é de evitar.
Temas polémicos
Há assuntos de discussão que podem espoletar uma reação violenta por parte da pessoa agressora. Se a relação acabou, o melhor é não os abordar, sobretudo se estiverem sozinhos ou num local isolado.
Mudar os hábitos
Mudar hábitos ajuda a evitar encontros indesejados. Se todos os dias apanha o mesmo transporte público à mesma hora, por exemplo, procure alternativas.
Suspender redes sociais
As redes sociais são terreno fértil para a agressão. Ainda que seja temporariamente, suspenda as suas contas.
Telefone disfarçado
Em situações extremas, ter o número de telefone da esquadra de Polícia mais próxima é fundamental. Pode gravá-lo na lista de acesso rápido, usando o nome de pessoa amiga ou de um familiar.