Com base em escutas telefónicas, o Ministério Público (MP) descreveu uma “factualidade” de “cariz vago e genérico” sobre os acontecimentos que originaram a “Operação Influencer”. Os procuradores também confundiram “facto e meio de prova”.
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As críticas estão plasmadas na resposta do juiz de instrução criminal Nuno Costa Dias ao recurso que o MP sobre a sua decisão de libertar o melhor amigo de António Costa, Diogo Lacerda Machado, o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, e o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas. O Tribunal da Relação de Lisboa irá decidir de que lado está a razão.
Logo no início do documento, concluído na semana passada e a que o JN teve acesso, o juiz é perentório: “o despacho recorrido foi corretamente proferido, pelo que o mantenho”. E, no final das 17 páginas, Nuno Costa Dias volta a não deixar margem para dúvidas. “Com exceção dos factos integradores dos crimes de tráfico de influência e de recebimento indevido de vantagem que na decisão recorrida se considerou estarem fortemente indiciados, a restante factualidade alegada pelo MP não preenche os elementos típicos de qualquer ilícito criminal”, sustenta.
Mais, para o magistrado, as escutas telefónicas que constam no processo “somente permitem demonstrar que uma determinada conversação existiu”. Mas foram usadas pelo MP para formular juízos e uma factualidade “conclusiva, de cariz vago ou genérico”.
“A promoção do MP revela confusão entre ato e meio de prova e entre fato e standard probatório”, defende também o juiz.
Sem provas para incriminar João Galamba
Ao longo do despacho, o magistrado insiste na falta de indícios de crimes como prevaricação ou corrupção nos atos cometidos por Lacerda Machado, Escária e Mascarenhas. Recorde-se que o MP alega que os responsáveis da Start Campus, empresa que está a construir um centro de dados em Sines, recorreu a Lacerda Machado para pressionar o primeiro-ministro e a secretária de Estado Ana Fontoura Gouveia para que um decreto-lei favorável aos seus interesses fosse aprovado com urgência.
Contudo, refere o juiz, “o alegado pelo MP revela-se vago quanto a qual seria a entidade pública junto de quem iria ser exercida a influência (o Governo, por via do contacto do suspeito Diogo Lacerda Machado junto do primeiro-ministro? A secretária de Estado da Energia, por via de Vítor Escária?)”.
E, acrescenta o magistrado, “a descrição factual do MP mostra-se ainda contraditória quanto à decisão pretendida”, tanto que a secretária de Estado “não tinha competência para proferir a decisão pretendida” pela Start Campus.
O juiz vai mais longe ao sustentar que “não é alegado qualquer facto” que permita concluir que o ex-ministro João Galamba, igualmente arguido na “Operação Influencer” e descrito como o mentor de todo o esquema, “ atuou conluiado” com os responsáveis da Start Campus. “A realidade é que dos factos descritos na promoção somente é possível extrair que o arguido João Galamba pretendeu que a sociedade arguida fosse abrangida por um determinado regime legal em preparação”.
Ou seja, nunca Galamba “combinou com os arguidos Rui Oliveira Neves e João Tiago Silveira no sentido de ser feito o que estes combinaram”.