Antigo sem-abrigo estava à guarda de pároco de Foz Côa. Vítima resgatada pela PJ era sacristão e tinha de trabalhar sem receber.
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Tirou um sem-abrigo com deficiência das ruas de Foz Côa, acolheu-o na sua casa paroquial e tornou-se seu tutor por decisão judicial. Mas, ao fim de alguns anos, começou a pedir-lhe favores sexuais e deu-lhe trabalho enquanto sacristão e jardineiro, mas apenas em troca do alojamento e da comida, sem salário. Também levou a vítima para um hotel da Maia, onde terão sido consumados abusos. Foi por estas suspeitas que o padre António Júlio Pinto, 63 anos, foi detido na quinta-feira pela Polícia Judiciária (PJ) do Porto. Vai esta sexta-feira ao Tribunal de Matosinhos para conhecer as medidas de coação.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, a vítima é natural de Foz Côa, onde, em 2015, conheceu o sacerdote, que tinha a seu cargo várias paróquias, algumas também na zona pastoral de São João da Pesqueira. O sem-abrigo, de 44 anos e com uma deficiência cognitiva, não tinha, na altura, qualquer suporte familiar e vivia da mendicidade, numa pobreza extrema.
Tornou-se tutor
Aparentemente movido por caridade, o sacerdote ofereceu-lhe um teto na casa paroquial de Horta do Douro, bem como alimentação. A compaixão foi tanta que o padre decidiu "adotar" o sem-abrigo. Em 2017, o tribunal oficializou-o como seu tutor. Porém, não viviam juntos. Enquanto António Júlio Pinto morava em casa própria, o seu protegido ficava na casa paroquial, que, embora tivesse condições de habitabilidade, encontrava-se em mau estado.
A vítima tornou-se um homem dos sete ofícios. Enquanto sacristão tocava o sino, limpava a igreja e auxiliava o padre nas missas, além de cuidar dos jardins. Numa relação de patrão e empregado, o padre apenas lhe dava o "alojamento e alimentação, sem qualquer outro pagamento", refere a PJ em comunicado.
O ascendente que tinha sobre a vítima também permitiu a António Júlio Pinto manter contactos sexuais. Por ser deficiente, a lei descreve estas condutas como "abuso sexual de pessoa incapaz de resistência". "Aproveitando-se das incapacidades psíquicas e da especial vulnerabilidade da vítima, o arguido veio depois a exigir-lhe serviços sexuais, fechando-o em casa e vedando-lhe qualquer contacto com o exterior quando recusava aceder aos seus propósitos", explica ainda a PJ do Porto.
Quando o pároco se deslocava ao Porto, onde tinha consultas médicas marcadas, o sacristão tinha de o acompanhar. Ambos ficavam a dormir no mesmo quarto de um hotel na Maia, onde o padre também terá abusado da vítima. Estas deslocações terão acontecido algumas vezes e era sempre o padre que pagava a estadia, o transporte e as refeições.
Denúncia de familiar
Há cerca de 15 dias, uma familiar do sacristão soube das condições em que ele vivia, mas também teve conhecimento dos alegados abusos. Denunciou a situação e a PJ do Porto começou a investigar. Num tempo recorde, os inspetores reuniram prova suficiente para que o Ministério Público da Maia emitisse um mandado de detenção para o padre, que passou a noite de ontem numa cela da cadeia anexa à Judiciária, no Porto.
A investigação vai agora tentar estabelecer quantas vezes a vítima sofreu abusos, mas também deverá analisar o tipo de trabalho que era efetuado pelo sacristão para avaliar qual o salário que deveria receber.
Hoje, o detido será ouvido em primeiro interrogatório judicial por um juiz de instrução criminal do Tribunal de Matosinhos, onde irão ser decretadas medidas de coação.
A vítima foi encaminhada para um centro de acolhimento e proteção, especializada em ajudar vítimas de tráfico de pessoas e será, a partir de agora, acompanhada por uma associação.